Algas estão na base da vida no planeta (Foto Andre Sarria)
Algas estão na base da vida no planeta (Foto Andre Sarria)

Algas em ácido

Andre_PB_400x400“O homem é a mais insana das espécies. Adora um Deus invisível e mata uma Natureza visível sem perceber que a Natureza que ele mata é esse Deus invisível que ele adora.” (Hubert Reeves)

Um dos organismos mais importantes para a vida aquática – e para a vida no planeta – são as microalgas, que são parte do chamado plâncton, organismos de uma célula, a base da cadeia alimentar. Lembram das aulas de biologia do colégio?

Funciona mais ou menos assim: o camarão come as microalgas, o peixe come o camarão, o homem come o peixe e por aí vai se dissipando. As microalgas possuem clorofila e, por conta disso, são capazes de pegar o gás carbônico dissolvido na água e no ar e convertê-lo em açúcares, energia e oxigênio. Isso significa que, no ar que respiramos, uma grande parcela do oxigênio vem das microalgas.

Aqui abro um parêntese: se alienígenas invadissem nosso planeta para explorá-lo, eles não viriam atrás de metais, ou petróleo, ou até mesmo escravizar os humanos. Viriam explorar o mais eficiente sistema de geração de energia que existe no planeta: a fotossíntese e todas as suas clorofilas e cloroplastos. Esse sistema consegue converter a luz solar e o gás carbônico em energia e oxigênio, uma verdadeira fábrica de produção energética, a meu ver, única no universo.

A reação é basicamente: Luz solar + água + gás carbônico dando oxigênio + água + açúcar. As microalgas são objetos de estudo de muitos centros de pesquisa e indústrias porque possuem diversos compostos que podem ser utilizados para a produção de medicamentos, aditivos alimentares, combustíveis e, inclusive, fornecer alternativas para melhoria de cultivos na agricultura, objeto de meu interesse.

Para ter uma ideia da importância das microalgas, a espirulina (a biomassa de duas espécies delas) foi considerada pela ONU como o alimento para o futuro. Em 1974, a Organização Mundial da Saúde descreveu a Espirulina como “um alimento interessante por várias razões: rico em ferro e proteína, sendo capaz de ser administrado a crianças sem qualquer risco”. Em 2003, as Nações Unidas estabeleceram o uso da espirulina contra a desnutrição.

Há umas semanas vim às Ilhas Canárias participar de algumas colaborações na pesquisa agrícola, utilizando algas e microalgas. Aqui existe um dos mais importantes bancos de algas do mundo, o Banco Espanhol de Algas, carinhosamente chamado de bea (em minúsculo mesmo). Ele foi reconhecido como armazenador global de algas e microalgas. Uma espécie de celeiro mundial para se guardar espécies.

Cientistas do bea catalogam, estudam e guardam diversas cepas de algas e microalgas enviadas por outros países e por eles encontradas, para que, num futuro, tenhamos informações cruciais sobre a vida dos oceanos. Para ter uma ideia, foi estimada a existência de mais de 200.000 espécies das quais conhecemos menos de 18%. Poderiam existir espécies que produzissem melhores antibióticos, antitumorais e compostos o que faria um pé de tomate produzir o ano inteiro sem uma única mancha de fungo.

Espirulina é alternativa de alimento para o futuro (Foto Andre Sarria)
Espirulina é alternativa de alimento para o futuro (Foto Andre Sarria)

Um dos pesquisadores do bea comentou comigo que já vem observando um comportamento um tanto quanto estranho por parte de algumas espécies. Ele me disse que, quando elas são cultivadas em situação de laboratório, elas produzem muitos mais compostos e se reproduzem muito melhor quando comparadas com as que crescem nos oceanos. Aqui é um exemplo claro e sutil dos efeitos das mudanças climáticas sobre os organismos.

Eu já havia comentado anteriormente que muitas pessoas negam a existência dessa mudança simplesmente porque imaginam que virá como nos filmes, numa onda gigantesca ou terremotos medonhos, mas muitos efeitos são sutis e acontecem pouco a pouco, somente visíveis a quem estuda isso de perto. O que pode estar acontecendo, disse-me ele, é que, nos oceanos, as microalgas têm de lutar para minimizar a concentração de gases dissolvidos, como altas concentrações de gás carbônico e do excesso de raios UV.

Elas gastam muita energia com isso, então se reproduzem menos e, por conseguinte, geram menos biomassa. Ao contrário, em um laboratório, onde a luz é controlada e as concentrações de gases são exatas, elas se reproduzem mais. Um dos problemas do excesso de gás carbônico para a vida marinha é pouco conhecido pelas pessoas. O gás carbônico causa o efeito estufa, e esse efeito mantém o calor no planeta, mas ele também interfere na acidez das águas.

O gás carbônico é bastante solúvel em água, ele se dissolve facilmente na água formando ácido carbônico. A reação é simples: gás carbônico mais água é igual a ácido carbônico. Em um PH baixo, ou ácido, os organismos têm de lutar para se readaptarem a essa nova condição, e muitas espécies marinhas têm dificuldades nisso. Principalmente os corais e, agora, também as microalgas.

Faça um teste em casa. Pegue um ovo e deixe-o mergulhado em um copo cheio de vinagre. Você poderá observar que logo toda a casca será dissolvida, deixando o ovo parecido a uma bexiga cheia de água. O que ocorre é que o ácido dissolve o carbonato da casca do ovo. As espécies de corais e outros animais marinhos também possuem, em sua estrutura, carbonatos e, com a acidez das águas, sua vida fica ameaçada.

Não se esqueça de que a grande parcela de oxigênio que nos mantém vivos vem das microalgas. E, a frase que deixei acima do astrofísico Hubert Reeves nunca fez tanto sentido. Matamos o que nos faz vivos.

Como podemos ajudar? Reciclando latas de alumínio? Talvez, mas por ora, o melhor que se pode fazer é deixar de apoiar decisões de governos negacionistas. Deixe de lado o diálogo raso sobre mudanças climáticas que você (des)conhece simplesmente por memes de internet. O planeta, silenciosamente, está sofrendo e os memes de você não irão ajudá-lo.

Sobre André Sarria

Os certificados e papéis dizem que eu sou cientista, mas prefiro ser mais um "escutador" da natureza do que cientista. A natureza fala e eu a traduzo em linguagem de gente. Nasci em Cajobi e trabalhei em Londres como Pesquisador no Rothamsted Research. Atualmente moro em Madrid onde sou Diretor de Pesquisa e Desenvolvimento em uma empresa Europeia de agricultura.

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