Da sacada de uma bela casa de frente para a enseada de Marselha, no sul da França, a vida passa implacável. O patriarca contempla a imensidão azul enquanto agoniza na delicada, porém angustiante, abertura de “Uma Casa à Beira-Mar”, novo filme do cineasta Robert Guédiguian, o mesmo que nos encantou com ‘As Neves do Kilimanjaro” e tantos outros belos filmes ambientados em sua terra-natal.
Obrigados ao reencontro após a doença do pai, que perdeu todos os movimentos, três irmãos tentam entender suas perdas e danos. O clima fica entre Tchecov e Brecht enquanto os limites físicos da casa, construída pelo pai e alguns amigos, ainda presentes na vida da família, funcionam como um palco que recebe, sem dó, algumas das grandes questões da humanidade, de ontem e de hoje.
Guédiguian, que é de Marselha, tem uma intensa relação com o mar. Desta vez, coloca a esposa, Ariane Ascaride, no centro da trama no papel de Angèle, irmã de Armand (Gérard Meylan) e Joseph (Jean-Pierre Darroussin) que, por causa de uma tragédia pessoal justamente ambientada ali, se ausentou por 20 anos. Ela só volta porque é preciso resolver o que será feito da casa, mas o que a afastou da família continua a assombrar. Só saberemos a razão de tanta angústia lá pelo meio da história. E é de cortar o coração, acreditem.
Angèle é uma atriz de sucesso que aos poucos vai se transformando de volta naquela que era quando ali vivia, inclusive fisicamente. Chega com os cabelos arrumados, a roupa impecável mas, dia após dia, vai se soltando. Armand é o filho que ficou para ajudar o pai no pequeno restaurante popular construído junto com a casa e Joseph, um ex-sindicalista que foi demitido após um bom acordo, revela-se um homem ressentido, que tem um relacionamento em vias de terminar com uma mulher bem mais jovem, disposta a buscar novas emoções. Em torno dos três irmãos circulam o casal de vizinhos e amigos do pai, Suzanne (Geneviève Mnich) e Martin (Jacques Boudet), o filho deles Yvan (Yann Trégouët) e o jovem pescador Benjamin (Robert Stevénin).
Entre o velho e o novo, entre a tradição e a modernidade, em uma metáfora da França de hoje, novas questões aparecem, como a própria sobrevivência daquela família. Há, ainda, uma trama paralela, que foca na presença dos refugiados, um drama sem precedentes na Europa atual. Soldados patrulham a praia certos de que desembarques indesejados estão vindo e alertam para o “perigo” do terrorismo. A questão política entra em cena com muita delicadeza e, na mistura da história daquela família com a de crianças vindas de longe, sem família, igualmente marcadas por tragédias impensáveis, chegam lições de vida. E de morte.
Guédiguian é gentil com seus personagens, com amor e até um certo humor, e foca nos detalhes, no trem que atravessa a ponte romana lá em cima da colina, no maço de cigarro dividido entre todos, nos cartazes das peças e filmes estrelados por Angèle, nos olhares de amor, de dor e de curiosidade. “Uma Casa à Beira-Mar” é um filme que se revela aos poucos e termina aos gritos. Cada um com sua dor.
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