O filme "Chocolate" conta a história de Rafael Padilha, o Chocolat, que nasceu em Cuba em 1868, foi vendido como escravo, fugiu e depois veio a se tornar o primeiro palhaço negro da história da França, interpretado por Omar Sy       Fotos: Divulgação
O filme "Chocolate" conta a história de Rafael Padilha, o Chocolat, que nasceu em Cuba em 1868, foi vendido como escravo, fugiu e depois veio a se tornar o primeiro palhaço negro da história da França, interpretado por Omar Sy Fotos: Divulgação

Chocolat, o primeiro palhaço negro da França; mas não só

DaniPrandi_0188c_500O filme “Chocolate”, com o ator Omar Sy, conta a história do primeiro palhaço negro da história da França. Mas não só. O roteiro expõe o racismo que acompanha a indústria do entretenimento desde sempre. (Não por acaso, vale lembrar que, nesta temporada, o Oscar ignorou os negros em suas indicações aos melhores do ano, o que provocou barulho e protestos.) Chocolat, o palhaço, é saco de pancadas no centro do picadeiro e sua cor serve de mote para as gags. Mas o artista vai além.

O filme, que foi um dos grandes destaques do Festival Varilux de Cinema Francês e agora entra em cartaz no circuito comercial, faz um bom apanhado da história real de Rafael Padilha, um ex-escravo que nasceu em Cuba no ano de 1868. Ainda criança foi vendido, mas fugiu por causa dos maus-tratos e, sem documentos, encontrou abrigo sob a lona de um circo no interior da França.

Começou fazendo o papel de um “selvagem canibal” e assustava as criancinhas com seus urros até que conheceu George Footit (James Thierrée, ator de nacionalidade suíça que é neto de um dos maiores palhaços da história, Charles Chaplin).  Footit estava em busca de algo novo já que seus números já não provocavam mais tanto riso. Em dupla, os artistas criam esquetes que por muito tempo serão replicados nos palcos, nas telas e na TV. Um é o esperto, que bate sem dó; o outro é o bobão, que apanha e não revida. (Quantas e quantas vezes essa simetria não foi repetida desde então?)

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James Thierrée, neto de Charles Chaplin, interpreta George Footit, parceiro de Chocolat

É o final do século 19, o entretenimento busca frescor e a dupla logo arranja um bom contrato em Paris. Muitos, até então, nunca tinham visto um negro de verdade e há uma cena em que uma criança passa o dedo no rosto de Chocolat e se surpreende por não soltar tinta (!).

O palhaço luta com as armas que pode e busca, a todo custo, se parecer com seus pares. Compra os melhores ternos, joias, carro e namora garotas brancas. (Mais um padrão de comportamento que se repete e se repete desde sempre). Mas também se envolve no submundo das drogas e dos jogos de azar, que vão selar o seu destino.

Tanto sucesso atrai a inveja e Chocolat acaba preso por não ter documentos. Na cadeia conhece um ativista dos direitos dos negros do Haiti que exerce uma grande influência em sua vida. Sua história muda de rumo, ele passa a exigir salário igual ao de seu parceiro e quer ser retratado com suas feições e não como um macaco nos cartazes de divulgação (!).

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Foto da verdadeira dupla formada por Chocolat e Footit, que fez sucesso no final do século 19

Logo abandona o picadeiro e vai atrás de voos mais altos. Talvez impossíveis. Resolve se tornar ator de teatro e encenar a peça Otelo, de Shakespeare, quando, pela primeira vez na França, o protagonista, que é negro, seria interpretado por um ator negro. Mas o racismo consegue ser mais forte do que a própria arte, logo aprenderá.

Omar Sy, ator que ficou muito conhecido por causa do sucesso de “Intocáveis”, de 2011, encara muito bem o papel de Chocolat, sem exageros. Na direção precisa de Roschdy Zem, o ator brilha em uma das cenas mais esperadas, quando o palhaço, finalmente, se rebela contra seu parceiro em pleno picadeiro.

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Filme foi destaque do Festival Varilux de Cinema Francês e agora entra no circuito comercial

Apesar de ter estampado inúmeras capas de jornais e feito história na França, Chocolat estava esquecido. Retorna à cena em um momento delicado, quando a ultradireita e a xenofobia embaralham os conceitos de liberdade, igualdade e fraternidade na França.

 

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Sobre Daniela Prandi

Daniela Prandi, paulista, jornalista, fanática por cinema, vai do pop ao cult mas não passa nem perto de filmes de terror. Louca por livros, gibis, arte, poesia e tudo o mais que mexa com as palavras em movimento, vive cada sessão de cinema como se fosse a última.

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2 comentários

  1. Isabela Salgado

    Infelizmente o racismo é ensinado e estimulado. Filmes como Chocolat são muito significativos para despertar nossa sensibilidade para uma questão tão atual e delicada.