Talvez nunca saibamos onde ou quando nos perdemos. Pode ter sido na esquina em que não vimos a fúria se encastelando. Pode ter sido no primeiro soco e nos primeiros esguichos de sangue no octógono. Pode ter sido na pioneira canetada que encheu de zeros aquele furtivo papel em branco. Pode ter sido, ainda, na primeira árvore tombada sobre o chão vermelho ou no primeiro paredão televisado. E nem sei se valeria de alguma coisa encontrar a origem do desencanto. O mal está feito, e ele flui sutil pelos números ocos das Bolsas ou em corredores verdes e gelados no Plano Piloto. Escorre livre pelo leito sinuoso e turvo de rios antes doces, não se enternece com o desespero nos morros cravejados …
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A histeria que sequestra a história
O Brasil acaba de vivenciar uma das maiores experiências democráticas de sua história, e justamente no setor – a Educação – que efetivamente pode garantir um futuro de justiça e solidariedade para todos. Foram quase 12 milhões de contribuições ao texto preliminar da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Milhares de professores, escolas e vários tipos de organização social participaram. Mas toda essa riqueza mereceu não mais que “pé de página” nos jornais ou limitadíssimo destaque nos portais. Parte da mídia está mais preocupada em contribuir para multiplicar a intolerância que está tomando de assalto as ruas, as praças e os lares dos brasileiros. Um dos grandes riscos que atravessamos é em que a histeria sequestre a história, e o país …
Leia Mais »O Bebe sentou e tirou o chapéu, começa mais uma sessão no Cine Eden
Ele tinha seu lugar de honra. Na primeira fila, a primeira cadeira à direita do corredor central. Em toda a sessão, Bebe sentava ali, tirava o chapéu e o colocava no colo. O ritual era a senha para começar mais uma exibição naquele que seria um de meus pedaços do paraíso, chamado exatamente Cine Eden. Bebe, soube depois, morreria com mais de 100 anos. Mas em minha memória ele permanece ali, quietinho, extasiado, desde o momento em que o projetor era acionado e todos éramos sugados pela tela. E quantos como eu, moradores em pequenas ou médias cidades do interior, não passaram por essa liturgia, por esse portal para o além do horizonte que eram os cinemas locais, com seus …
Leia Mais »O menino na noite dos vaga-lumes
Diz-se que uma das maiores tragédias dos tempos atuais é a ruína das grandes utopias. A humanidade, ou melhor dizendo a soma das civilizações humanas, sempre se nutriu de narrativas utópicas que lhe deram sentido e esperança. Pois agora estaríamos, segundo os mais céticos, presenciando o caos, a ruptura dos projetos utópicos, o que significa, no frigir dos ovos (seja lá o que frigir dos ovos signifique), estamos ferrados, não podemos e nem devemos acreditar em mais nada. Sobrariam as pequenas utopias, e me alimentei de uma delas há alguns dias, na minha querida Itamogi. Sim, restariam as utopias menores, aqueles sonhos mais modestos, que podemos cultivar naquele recanto mais íntimo que apenas nós, cada um, conhecemos. Um lugar imaculado, …
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