Ainda será possível sonhar com um dia de paz azul no Brasil? (Foto José Pedro Martins)
Ainda será possível sonhar com um dia de paz azul no Brasil? (Foto José Pedro Martins)

Quando a violência que despedaça o Brasil será olhada como deveria?

Existe um repúdio generalizado no Brasil contra a classe política, e não faltam razões para isso. As últimas eleições municipais confirmaram o descrédito, para dizer o mínimo, que grande parte dos brasileiros está sentindo em relação ao atual sistema de representação, aliás repetindo fenômeno observado na maioria das nações oficialmente democráticas. Entretanto, a mesma indignação não vem sendo observada, entre a sociedade civil e muito menos no poder público, no caso da epidemia que vem matando, literalmente, a alma e o corpo do país. A epidemia da violência, que vem contabilizando mortes e destruindo projetos de vida em escala superior a qualquer conflito armado desde a Segunda Guerra mundial.

Não há exagero nessa afirmação. As estatísticas comprovam que a epidemia de violência está tão disseminada no Brasil que espanta como essa tragédia não vem sendo tratada como deveria, pela mídia, pelas Universidades, pelas Igrejas, pelos sindicatos, pelos governos municipais, estaduais e federais, enfim, por nenhum setor que em algum momento esteve na linha de frente da luta pelos direitos humanos ou que, pela própria Constituição Federal, já poderia ter feito muito mais do que está fazendo.

É o conceito de humanidade e de civilização que está em xeque em território brasileiro. Cada morte ou outro ato violento que acontece em território brasileiro, e são centenas, talvez milhares, de casos diariamente, diminui a cada um de nós como pessoa humana. É a minha, a sua dignidade que está sendo perdida a cada bala perdida (que sempre encontra alguém no caminho), a cada atropelamento, a cada estupro ou ato de homofobia cometido.

Então vamos aos números. Desde 1980, mais de 1 milhão – repito, 1 milhão – de brasileiros foram mortos com armas de fogo no Brasil, segundo o Mapa da Violência, uma plataforma coordenada por Julio Jacobo Waiselfisz, alimentada com dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde. É muito mais do que a Guerra do Iraque e a Guerra na Síria juntas. Só esta estatística seria suficiente para que a violência armada no Brasil estivesse no centro de qualquer debate público importante.

Quando esse número geral é olhado mais de perto, a magnitude do horror só aumenta. Entre 1980 e 2013, segundo o mesmo Mapa da Violência, foram 207.438 assassinatos de crianças e adolescentes no Brasil. Em 1980, as chamadas causas externas respondiam por 6,7% das mortes de brasileiros de até 19 anos. Em 2013, essa proporção subiu para 29%.

Entre as causas externas, a morte em acidentes de trânsito é responsável por quase tantas mortes como os homicídios por armas de foto. Entre 1996 e 2013,  o número de jovens de até 19 anos mortos em acidentes apenas de motocicletas aumentou de 113 para 1.671, ou 1.378%.

Os acidentes em estradas, rodovias e ruas, de fato, representam uma das faces cruéis da epidemia de violência no Brasil. Somente entre 2004 e 2014, mais de 400 mil pessoas perderam a vida em acidentes, de acordo com o DataSUS. No mesmo período, mais de 1,6 milhão de brasileiros foram internados em decorrência de acidentes de trânsito. Os números de invalidez permanente, derivados dessa modalidade de violência mais do que comum nas vias públicas, também são computados na casa de centenas de milhares.

Quanta dor, quanto sofrimento, quanto desespero escondido por trás desses números frios. E a violência que permanece nas sombras, dentro de casa, e que continua atingindo crianças, adolescentes, mulheres e, em número crescente, idosos? Violência cometida por pessoas próximas, muitas vezes um parente de sangue e código genético.

Não dá para mensurar o que todo esse quadro tenebroso significa para um pai, uma mãe, um irmão, um filho próximo de vítimas de alguma das variantes de violência. Mas dá, sim, para cobrar mais atitude de quem conhece muito bem essa epidemia mortal e não tem feito quase nada. Absolutamente nada.

 

 

 

 

Sobre José Pedro Soares Martins

Mineiro nascido com gosto de café e pão de queijo, ama escrever pois lhe encantam os labirintos, os segredos e o fascínio da vida traduzidos em letras.

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