Brasília sediou o polêmico Fórum Mundial da Água (Foto Adriano Rosa)
Brasília sediou o polêmico Fórum Mundial da Água (Foto Adriano Rosa)

Pressão pela privatização do saneamento avança, um ano antes do Fórum Mundial da Água

Projetos de privatização da transposição do São Francisco e da Cedae, no Rio de Janeiro. Venda de terras – e, com elas, nascentes de água – a estrangeiros. Compra de 70% da Odebrecht Ambiental (que controla vários serviços municipais de saneamento no Brasil, como o de Sumaré) pela canadense Brookfield. São vários os passos apontando para uma ofensiva pela privatização da água e do saneamento no país. Isto, a pouco mais de um ano do Fórum Mundial da Água que, em sua oitava edição, será realizado em Brasília, em março de 2018. O Fórum é promovido pelo Conselho Mundial da Água, organização criada com apoio de grandes corporações do setor e que já foi muito refratário a considerar a água potável e saneamento como direito humano, o que foi definido oficialmente pelas Nações Unidas apenas em julho de 2010.

Em um cenário de forte crise econômica e turbulência política, a privatização dos recursos hídricos e saneamento aparece no elenco de opções de governos – federal e estaduais – para levantar mais dinheiro. A privatização da polêmica transposição do rio São Francisco é uma intenção do governo de Michel Temer, por meio de uma Parceria Público – Privada – a figura jurídica que tem sido incentivada e apoiada por organizações como o Conselho Mundial da Água para o segmento.

“O uso eficiente dos recursos financeiros existentes para a água seria significativo para nos ajudar a alcançar nossos objetivos relacionados com a água e aliviar as barreiras ao acesso a recursos que já existem.  Mecanismos inovadores de financiamento e de parceria público-privada são também essenciais”. É o que afirma um dos trechos do relatório da sétima edição do Fórum Mundial da Água, acontecida em março de 2015, na República da Coreia.

A transposição do rio São Francisco levou mais de uma década para ser concluída, consumindo mais de R$ 8 bilhões, ou três vezes o orçamento inicial. O projeto sempre esteve muito envolvido em polêmicas. Muitos grupos o consideram ineficaz em termos de distribuição de água no Nordeste, em função da alta evaporação na região, entre outros fatores. Também há grupos afirmando que o projeto apenas atenderia a interesses de grandes irrigantes. De qualquer modo o governo Temer, cada vez mais questionado, acena com a privatização de sua gestão.

Outro governo muito criticado e com enorme rombo nos cofres, o do Rio de Janeiro, pretende por sua vez privatizar a Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae). O projeto apresentado à Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) prevê a privatização da empresa como garantia de um empréstimo de R$ 6,5 bilhões junto à União. A Alerj discute o assunto nesta segunda-feira, dia 20 de fevereiro, e são esperados novos tumultos nos arredores da Assembleia.

Rio Piracicaba em tempos de estiagem: direito humano à água e saneamento no centro do debate (Foto Adriano Rosa)
Rio Piracicaba em tempos de estiagem: direito humano à água e saneamento no centro do debate (Foto Adriano Rosa)

A proposta de venda de terras a estrangeiros, anunciada pelo governo Temer, não é menos controversa. O projeto vem sendo conduzido pelo contestado ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha. Uma minuta do deputado Newton Cardoso Júnior (PMDB-MG), relator da matéria, prevê que o investidor estrangeiro poderia adquirir até 100 mil hectares de terras e arrendar outros 100 mil ha. Grupos ambientalistas lembram que, com as terras, também seriam privatizadas as nascentes de água nelas existentes.

Ou seja, muita discussão no cardápio nacional. Isto, quando são acelerados os preparativos para a oitava edição do Fórum Mundial da Água, de 18 a 23 de março de 2018, em Brasília. Será praticamente no início de nova campanha presidencial no Brasil. A temática da privatização não poderá ser excluída dos debates.

Entre outras organizações, a retomada do programa privatista preocupa a Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento (Assemae), que reúne serviços de vários estados. A Assemae lembra que, com a privatização, o Brasil iria na contramão do que ocorre em escala internacional.

Um relatório internacional (da Unidade Internacional de Pesquisa de Serviços Públicos, Instituto Transnacional e Observatório Multinacional) mostrou que houve pelo menos 180 casos de remunicipalização de serviços de água e esgotos nos últimos 15 anos, em 35 países, em razão do descontentamento popular com a qualidade e preços cobrados pelas empresas privadas. Paris, Buenos Aires, Berlim, La Paz e Maputo são algumas cidades que remunicipalizaram serviços que estavam nas mãos da iniciativa privada. Foram 59 casos nos Estados Unidos e 49 na França, país onde o setor privado é muito forte. Mais da metade dos serviços que foram remunicipalizados estava sob o controle das companhias Suez e Veolia, muito ativas no Conselho Mundial da Água.

No Brasil, o caso mais recente de remunicipalização foi o de Itu, que viveu um caos no abastecimento de água durante a forte estiagem de 2014-2015. “A experiência amarga de municípios como Itu é uma clara demonstração da lógica capitalista que se faz presente na privatização do saneamento. Esta não é uma mera bandeira ideológica, mas sim uma luta histórica pela promoção da saúde e pela qualidade de vida de todos os brasileiros, sejam ricos ou pobres”, disse o presidente da Assemae, Aparecido Hojaij, sobre a retomada do serviço de saneamento em Itu pela Prefeitura.

Em função do Fórum Mundial da Água e dos projetos de privatização, 2017 será muito fértil para a discussão desse tema vital para a sustentabilidade: a garantia do direito humano à água e saneamento no Brasil, o país com 12% de água doce do mundo mas que ainda não trata mais da metade dos seus esgotos urbanos. Todo cuidado é pouco com o que acontecerá nos próximos meses.

Sobre José Pedro Soares Martins

Mineiro nascido com gosto de café e pão de queijo, ama escrever pois lhe encantam os labirintos, os segredos e o fascínio da vida traduzidos em letras.

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