Na noite desta segunda-feira, dia 8 de maio de 2017, o polo científico e tecnológico de Campinas pode sofrer um duro golpe, se concretizada a eventual decisão pela liberação de produtos transgênicos na merenda escolar do município. Proposta nesse sentido do governo de Jonas Donizette pode ser aprovada em segundo turno pela Câmara. Se isso ocorrer, Prefeitura e Câmara colocarão Campinas na contramão da história, justamente no momento em que mais e mais países, sobretudo entre os considerados desenvolvidos, decidem pelo banimento ou, no mínimo, severas restrições aos transgênicos. Uma decisão que contraria o Princípio da Precaução, colocando em risco a saúde das crianças. As Universidades e a área de saúde não podem ficar caladas diante desse enorme retrocesso.
Lei de 2001, de número 10.940, veta o uso de transgênicos na merenda escolar em Campinas. Agora o Executivo alega que não está conseguindo no mercado, após várias licitações, os produtos necessários, livres de transgênicos, para a segurança nutricional dos alunos. Isso em um país que é um dos maiores produtores de alimentos do mundo.
Sim, o Brasil tem utilizado muito transgênico, contra uma tendência global, ou pelo menos nos países desenvolvidos (com exceção dos Estados Unidos e Canadá), que é oposta aos organismos geneticamente modificados (OGMs). Entre 2014 e 2015 o Brasil aumentou em 5% e, entre 2015 e 2016, em 10% a área plantada com OGMs. Com isso a área com transgênicos no país saltou para 49 milhões de hectares, o que o consolida como o segundo no ranking de plantio de OGMs, atrás somente dos Estados Unidos, que tem uma área plantada de mais de 80 milhões de hectares. No início do século 21 o Brasil tinha menos de 5 milhões de hectares plantados com transgênicos.
A grande explicação para o salto dos OGMs no Brasil é econômica: 93% da área plantada com soja, milho e algodão são cobertos com OGMs. São justamente os itens que lideram a pauta de exportação do agronegócio brasileiro.
É bom que se diga que cresceu de forma exponencial a liberação de cultivos transgênicos durante os governos de Lula e Dilma Rousseff. Estas foram as liberações anuais pela CTNBio: 2007 (3), 2008 (5), 2009 (9), 2010 (8), 2011 (6), 2012 (3), 2013 (1), 2014 (2) e 2015 (14). Liberações solicitadas por grandes companhias de sementes.
Em outras palavras, ainda dá muito dinheiro plantar transgênico no Brasil. Mas não se sabe até quando. Os países da Europa, em sua imensa maioria, proíbem o plantio de transgênicos. Somente cinco países europeus têm cultivos transgênicos: Espanha, Portugal, República Checa, Romênia e Eslováquia. Destes, apenas Espanha tem uma superfície significativa com transgênicos, mas apenas 129 mil hectares, muito menos, portanto, que os 49 milhões de hectares do Brasil. Dados do Serviço Internacional para a Aquisição de Aplicações em Agrobiotecnologia (ISAAA, em inglês).
A alegação é simples: os riscos dos OGMs para a saúde. A tecnologia é nova, perto dos milhares de anos da agricultura no planeta. O Princípio da Precaução, um dos mais respeitados nas áreas de saúde e meio ambiente, diz que na dúvida um produto não deve ser utilizado, até que testes exaustivos o liberem. E os testes conhecidos até o momento são divergentes. Há testes pró e contra transgênicos. Se não há consenso, segundo o Princípio de Precaução os transgênicos não deveriam ser usados, pelo menos por enquanto.
Pois é nesse sentido que Campinas deveria dar o exemplo, continuando com a política de evitar os transgênicos na merenda escolar, que atinge diretamente milhares de crianças. Por que arriscar, se cientistas brilhantes afirmam que há perigo com os OGMs? Não será uma decisão ponderada da Câmara, se aprovar o que a Prefeitura quer.
É mais um sinal de que não há um efetivo diálogo entre o citado polo científico e tecnológico e os poderes públicos. As decisões políticas continuam negando os avanços da ciência, o que, é preciso ressaltar, ocorre nas diferentes esferas de poder no país. Há também uma posição cômoda de Universidades e centros de pesquisa, que preferem não se manifestar em questões polêmicas. Claro, há pesquisadores que, de forma individual, se posicionam, mas não é o mesmo se uma instituição se manifestar. Campinas também é conhecido centro de medicina e saúde. Ele também deveria se posicionar nesse caso emblemático da liberação de transgênicos na merenda escolar.
Na última quinta-feira, dia 4, a Câmara sediou um debate, promovido pelo vereador Luiz Carlos Rossini, sobre o projeto de liberação de transgênicos na merenda. Foram três pesquisadores, dois da Unicamp e um do IAC, e uma representante da Prefeitura. Todos se posicionaram a favor da liberação. Uma das justificativas seria a de que o risco em consumo de transgênicos, por exemplo em termos alergênicos, seria o mesmo que no consumo de produtos sem eles.
O vereador Professor Alberto, que estava no plenário, manifestou estranheza por não haver o chamado contraditório, ou seja, com todos favoráveis não há um efetivo debate. O vereador também contestou a opinião expressa por alguns convidados, de que há uma contradição entre uma proibição aos transgênicos na merenda, enquanto em casa os alunos podem estar consumindo produtos com OGMs. “Mas a escola não é justamente o lugar para uma educação correta?”, indagou o vereador. O vereador Pedro Tourinho, também presente, igualmente se manifestou no sentido de que há, sim, estudos muito sérios apontando riscos para a saúde, no caso de consumo de transgênicos.
Enfim, o tema é muito controverso e abrange outras questões importantíssimas, como o aumento do consumo de agrotóxicos associado aos transgênicos (ao contrário do que as empresas do setor sempre afirmaram) e a extrema dependência dos agricultores em relação às grandes produtoras de sementes de OGMs. A questão é ampla, muito complexa, e por isso mesmo a Câmara deveria, com uma posição autônoma e ponderada, e respeitando o Princípio da Precaução, não aprovar o projeto do Executivo. É o nome de Campinas como lugar de ciência, de pensamento, que está em xeque, entre outras questões, a saúde das crianças como sendo a mais importante.