22 de janeiro de 2018, um dia muito triste para a saúde pública de Campinas e do Brasil. A partir de hoje apenas pode ser vacinado contra a febre amarela quem comprovar residência na cidade. Decisão questionável por vários motivos mas um deles tem sido esquecido. A Campinas que veta as vacinas – temporariamente, afirma-se – para quem é “de fora” é a mesma que, no final do século 19, superou a tragédia da febre amarela com a ajuda fundamental de outras cidades, sobretudo da principal delas na época, o Rio de Janeiro, então capital do Império e, depois, da República.
Não é por acaso, é bom lembrar sempre, que a Praça Imprensa Fluminense, no Centro de Convivência Cultural, tem esse nome em razão do apoio maravilhoso que os jornais do Rio de Janeiro deram às vítimas da febre amarela que tornou Campinas uma cidade quase fantasma. Quem podia, fugia. Quem ficava, geralmente os mais pobres, ficava vulnerável à epidemia cuja origem ainda era desconhecida. Portanto, não havia prevenção nem profilaxia adequadas. Queimava-se alcatrão nas esquinas. A Campinas pujante do Café era um teatro de horrores.
Mas a cidade se reergueu e passaria a brilhar no cenário nacional e internacional. Uma das consequência do processo de desenvolvimento local diferenciado foi a estruturação de um invejável sistema público de saúde. É conhecida e reconhecida a contribuição de Campinas para a própria formatação do Sistema Único de Saúde, uma das maiores conquistas do povo brasileiro, agora ameaçado por cortes de verbas e o desprezo histórico de muitos gestores.
Esta, somada a muitos outros fatores, por demais sabidos da população, é a causa primeira, basilar, da alegada falta de vacinas, e não o afluxo enorme de pessoas da região. O que é absolutamente normal, diga-se de passagem. Campinas é sede de uma região metropolitana, das mais promissoras e dinâmicas no Brasil. Se o conceito de equidade que fundamenta o SUS já determina que todo cidadão brasileiro tem direito aos serviços de saúde oferecidos, como a vacina, esta característica peculiar, a de Campinas ser sede de uma região metropolitana, representa mais um sério questionamento à decisão de suspensão do procedimento para quem é “de fora”.
De resto, o que temos visto sobre a ação do poder público, em todas as esferas, em relação ao ressurgimento da febre amarela é a clara demonstração da crescente degradação do que chamamos de Estado. O mundo está cada vez mais globalizado, as viagens intra e internacionais são cada vez mais frequentes, é quase impossível impedir o trânsito de uma pessoa contaminada por determinada doença e que pode virar epidemia ou pandemia.
Não estamos totalmente preparados para essa nova realidade sanitária, esta é a mensagem que parece transmitir a confusa forma pela qual os nossos governantes estão tratando a atual situação da febre amarela, que já começa a gerar momentos de pânico em algumas localidades. Nesse sentido há outro aspecto a ser considerado, o do papel das redes sociais e sua influência na vida das pessoas. As chamadas fake news podem causar um estrago enorme e a saúde pública não está imune a essa vulnerabilidade que é global. Os governantes, de qualquer nível, também devem estar atentos a essa dimensão.
O caso de Campinas é bem grave por causa do citado componente histórico. Tomara que seja efetivamente uma condição transitória. Mas que a volta do temor da febre amarela, em pleno século 21, demanda uma reflexão muito mais séria, com certeza demanda. Porque não vai demorar para aparecer outra doença com potencial devastador.