Brasília: olhos voltados para lá, sempre (Foto Adriano Rosa)
Brasília: olhos voltados para lá, sempre (Foto Adriano Rosa)

60 anos da Brasília que eu aprendi a amar quando morei e trabalhei nela (na hora mais inteligente do país)

Seus imponentes edifícios, particularmente da Praça dos Três Poderes, são o espelho das nossas iniquidades. Essa imagem de Brasília, muito cultivada através dos tempos, também era a minha até que fui trabalhar lá como correspondente da Agência Ecumênica de Notícias no momento mais inteligente do país: os anos de 1987 e 1988, quando estava sendo escrita a Constituição que agora alguns querem derrubar. Uma experiência que mudou minha visão sobre a capital que acabou de completar 60 anos, no último dia 21 do sombrio abril de 2020. E mais, ajudou a moldar meu olhar sobre o jornalismo e sobre o Brasil.

Claro, Brasília representa muito do que é o Brasil, com todas as suas desigualdades. A poucos quilômetros do Palácio do Planalto uma grande favela nos lembra que ainda temos muito o que superar. Mas é preciso mergulhar a fundo na vida da capital brasileira para perceber que a cidade é muito mais do que o senso comum projeta. Há uma vida cultural muito rica. Quem não se lembra da explosão do rock brasiliense? E os escritores e as escritoras, então? Brasília tem uma grande concentração de grandes nomes da literatura brasileira. Uma dinâmica artística muito fértil e efervescente.

E no Congresso Nacional, então, é preciso se aprofundar para entender o que se passa por lá. Para mim ficou muito claro durante a Assembleia Nacional Constituinte de 1987 e 1988. Usando uma imagem batida, o Parlamento é a caixa de ressonância do país. Ele reflete a correlação de forças, o imaginário, a sensibilidade de nossa sociedade.

Naquele momento histórico, o Brasil vivia a euforia da pós-ditadura. Havia um enorme desejo de mudanças e isso se refletiu diretamente no processo constituinte, direitos históricos foram inscritos no novo texto constitucional. A Constituição Cidadã, na fórmula resumida por Ulysses Guimarães.

Mas a história muda e novos ares passaram a soprar no campo político e o Parlamento é reflexo disso. Atualmente os humores não são nada progressistas, como no final dos anos 1980, mas quem sabe logo a situação muda de novo? O certo é que não adianta só culpar Brasília ou os seus moradores ocasionais, os deputados e senadores.

A mudança tem que vir da própria sociedade, ela desejar e lutar pelas transformações. Talvez aconteça nesse momento absolutamente crítico da pandemia. Talvez fique claro que sem metamorfoses radicais continuaremos vulneráveis, a pandemias ou outras mazelas.

Eu também falava do jornalismo. Quando fiz faculdade e um pouco depois, naqueles anos 1980 que parecem tão longínquos, falava-se que o jornalista precisaria trabalhar/viver em São Paulo ou Rio de Janeiro para fortalecer a sua carreira e sua própria visão do Brasil.

Tive a sorte de trabalhar/viver nas nossas duas megalópoles e acrescento: uma estadia em Brasília é fundamental, justamente para sentir o pulso de como está o país. Eu senti isso no processo constituinte e confirmei essa visão nos momentos que lá fui posteriormente, sempre a trabalho. A última vez foi em dezembro de 2018, como um dos premiados do Prêmio INEP de Jornalismo, na área da educação.

A cidade continua vibrante. Com todas as contradições que qualquer grande cidade brasileira exibe. Mas com a complexidade e a riqueza de temas que o jornalismo demanda. Enfim, voltar a Brasília é sempre uma delícia e essencial para se entender o caleidoscópio sociocultural e político nacional. Tomara que a próxima vez – que não demore muito – seja em um cenário muito mais esperançoso para o nosso querido Brasil.

 

 

 

 

Sobre José Pedro Soares Martins

Mineiro nascido com gosto de café e pão de queijo, ama escrever pois lhe encantam os labirintos, os segredos e o fascínio da vida traduzidos em letras.

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