“Terra Nave Mãe – Por um socialismo ecológico” é o meu terceiro livro, lançado em 1991 pela CEPE/Traço a Traço. Eu estava muito influenciado pelo grande debate ecológico global naquele momento, no cenário da repercussão do assassinato de Chico Mendes em 22 de dezembro de 1988 e pela proximidade da Eco-92 ou Rio-92, como ficou conhecida a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, que seria realizada em junho de 1992 no Rio de Janeiro.
Três eventos que tive a oportunidade de cobrir, como repórter da Agência Ecumênica de Notícias, foram motores especiais para escrever “Terra Nave Mãe”.
O primeiro foi o Tribunal Permanente dos Povos, em Berlim, em setembro de 1988, realizado em paralelo à reunião anual do Banco Mundial e FMI. A sessão do Tribunal na Berlim ainda dividida foi promovida para criticar as políticas do Bird e FMI para os países em desenvolvimento e suas populações, como os povos indígenas.
As ruas de Berlim tomadas de manifestantes de vários países, ecopacifistas, ecofeministas, indigenistas, foram cenários precursores do que viria a seguir Outro evento, no Fórum Global no Rio de Janeiro em 1992 e em várias edições posteriores do Fórum Social Mundial. O grito da Terra Nave Mãe por um outro mundo.
Outro evento foi o I Encontro dos Povos Indígenas do Xingu, em Altamira (PA), entre 20 e 25 de fevereiro de 1989. O evento realizado ainda no contexto da repercussão da morte de Chico Mendes, teve como catalisador o protesto dos povos indígenas da região contra a usina de Kararaô, depois rebatizada de Belo Monte (e que foi afinal construída nos governos petistas…) Altamira pegando fogo, a UDR promovendo grandes manifestações a favor da usina, os povos indígenas tentando se organizar depois que a Constituição de 1988 tinha finalmente garantido os direitos a seus territórios (hoje sob grande ameaça, assim como a Constituição).
E o terceiro evento foi a Conferência Justiça, Paz e Integridade da Criação (JPIC), realizada em março de 1990 em Seul, na Coreia do Sul (um ano depois, portanto, de Altamira). A Conferência foi o momento culminante de um programa do Conselho Mundial de Igrejas e foi convocada com o propósito de construção de três pactos: 1. Contra a dívida externa que sufocava os países em desenvolvimento e portanto afetava a Justiça 2. Contra a corrida armamentista que impedia a Paz. 3. Contra o modelo de desenvolvimento baseado na queima de combustíveis fósseis que agravavam o aquecimento global, impactando na Integridade da Criação. Em Seul, os grupos negros muito organizados conseguiram o estabelecimento de um quarto pacto, contra o racismo (assunto muito atual, na esteira das manifestações nos Estados Unidos, Europa e, a partir de hoje, no Brasil). Eu me lembro que viajei a Seul (algumas fotos abaixo) no mesmo voo da deputada Benedita da Silva, do Rio de Janeiro – ela foi uma das vozes que conseguiram o quarto pacto da JPIC.
Esses eventos me animaram a escrever um livro critico ao modelo de desenvolvimento em curso, mas também ao chamado socialismo real – o Muro de Berlim tinha acabado de cair – que da mesma forma que o capitalismo não respeitou o equilíbrio dos recursos naturais. Daí o ecossocialismo ou socialismo ecológico, com base em quatro eixos: Ecodesenvolvimento, Ecofeminismo, Ecopolítica e Ecopacifismo. É em síntese o conteúdo de “Terra Nave Mãe”. Alguns artigos acadêmicos chegaram a apontar o livro como pioneiro na discussão sobre o ecossocialismo no Brasil. Em função da pandemia esse debate volta com força. (Ana Isa é a autora da bela capa do livro.)