Campinas recebe neste sábado, dia 3 de fevereiro, representantes do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), que vieram conhecer ações em curso nesta área na cidade. Os profissionais do Pnuma fizeram o trajeto do Aeroporto Internacional de Viracopos até vários pontos da zona urbana em ônibus elétrico da chinesa BYD, um dos exemplos de como Campinas tem enorme potencial para gestos ousados em sustentabilidade. A visita do Pnuma ocorre em um momento histórico singular para o Brasil, quando o país vive o ressurgimento da febre amarela, a doença que quase devastou Campinas no final do século 19 e cujo reaparecimento é, ao lado de outras moléstias, como a dengue, um símbolo de como a própria cidade continua frágil e ameaçada em vários aspectos em termos ambientais. Também é momento oportuno para que se lembre que todas as conquistas e boas expectativas vivenciadas no momento na área ambiental não são de graça, mas fruto de uma história de décadas, de muita luta da sociedade civil e com ativa participação de profissionais de imprensa.
Os técnicos do Pnuma com certeza ouviram, no trajeto para a região central de Campinas, os detalhes da própria presença da BYD e de outras ações no setor energético espelhando uma preocupação com medidas para frear o aquecimento global. Também poderiam ter sido informados, nessa pequena viagem confortável e sustentável, que Campinas e região poderiam estar sofrendo sérios problemas de poluição atmosférica, se tivesse sido materializado o projeto do governo de São Paulo de instalação de uma termelétrica movida a resíduo ultraviscoso de petróleo em Paulínia. A intenção do governo paulista e da Cesp foi duramente combatida por cientistas e ambientalistas no início da década de 1990 e foi tema de uma pergunta feita ao então governador Luiz Antônio Fleury Filho, durante entrevista à imprensa nacional e internacional na Conferência Rio-92, em junho de 1992, no Rio de Janeiro. Indagado por um jornalista sobre o projeto que inquietava a região, Fleury anunciou que o estava cancelando. E de fato o projeto absurdo, de queimar resíduo de petróleo para gerar energia, foi enterrado ali, naquela coletiva de imprensa. Totalmente em sintonia com a Convenção das Mudanças do Clima, consolidada naquela mesma histórica Rio-92.
Continuando a viagem, os profissionais do Pnuma conheceram a ciclovia que a Prefeitura de Campinas instalou na avenida José de Sousa Campos, a Norte-Sul. Certamente os técnicos ficaram impressionados com a estrutura da ciclovia, montada ao lado de uma pista de caminhada e que na manhã deste sábado devia estar cheia de cidadãos compreensivelmente preocupados com a saúde. Espero que os representantes do órgão máximo das Nações Unidas para o meio ambiente tenham sido informados que aquela ciclovia foi construída sobre o leito de um córrego, que integra a bacia do rio Piracicaba e que foi canalizado para dar lugar a uma vistosa e modernosa avenida.
Sim, Campinas tem vários rios que estão escondidos sob a massa de asfalto, um dos mais graves ataques aos recursos naturais e que tem, como um de seus efeitos nefastos, a ocorrência de enchentes e alagamentos, porque os rios, em momentos de fortes chuvas, costumam nos lembrar de que aquele pedaço de território era originalmente deles. Não é por acaso, aliás, que várias cidades do mundo estão vivendo situações opostas hoje, de “descanalização”, de devolução dos rios ao seu formato original. Ações desse tipo não foram infelizmente previstas no novo Plano Diretor de Campinas, sobre o qual voltaremos a falar mais abaixo.
Ainda nesse campo, da água e saneamento, provavelmente os técnicos do Pnuma foram informados dos esforços de Campinas para ter 100% de água tratada e distribuída e 100% de tratamento de esgoto, o que é um orgulho para a cidade, a maior da região das bacias dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (PCJ). De novo, os profissionais poderiam ter sido lembrados que a cidade chegou nesse patamar em função de uma luta histórica, iniciada lá na cidade de Piracicaba, com força no começo da década de 1980, com a devida ação vigilante de profissionais da imprensa local e regional.
Aquela luta de Piracicaba depois transbordou para toda a região, sempre com o devido apoio e acompanhamento da imprensa. Um livro lançado por um jornalista em 1997, “Campinas do Matto Grosso – Da febre amarela à cólera dos rios”, falava justamente dos riscos para a saúde pública, em razão da continuidade do quadro de contaminação dos recursos hídricos regionais pelo esgoto in natura. Dizia o livro: “O risco de um colapso generalizado nos sistemas de abastecimento de água é, no segundo semestre de 1997, a maior ameaça ao desenvolvimento de Campinas e região. Nos 60 municípios que integram as bacias dos rios Piracicaba, Capivari, onde está situada geograficamente a região de Campinas, são lançadas diariamente, em julho de 1997, 200 toneladas de esgoto urbano, e menos de 3% desse total recebe algum tipo de tratamento”.
Pois com a luta que nasceu em Piracicaba e se espraiou pela região, com a criação do Consórcio e Comitês PCJ, sempre com o devido monitoramento e participação do Ministério Público e de profissionais de imprensa, esse cenário passou a se modificar, até que em 2001, quando o prefeito de Campinas ainda era o arquiteto Antônio da Costa Santos, a Sanasa anunciou um ambicioso plano para tratar mais de 70% do seu esgoto. A empresa de saneamento de Campinas assumiu o compromisso, tendo em vista o impacto que o tratamento dos esgotos urbanos teria em todo contexto das bacias PCJ. E o resultado é que hoje Campinas está próxima de atingir os 100% de capacidade de tratamento e as bacias PCJ já contam com mais de 50% de tratamento. Muito longe do ideal, ainda, mas em um cenário muito melhor do que há 20 anos. Situação documentada pela imprensa e em muitos outros livros, como “A luta pela água nas bacias dos rios Piracicaba e Capivari” (1993), “Água e Cidadania em Campinas e Região” (2004), e “Panorama do Meio Ambiente” (2005) e “A implementação da cobrança pelo uso dos recursos hídricos e Agência de Água das Bacias dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí” (2009).
Permanece, porém, o drama do abastecimento urbano. A seca de 2014-2015 mostrou que Campinas e grande parte do estado de São Paulo continua muito ameaçada em sua segurança hídrica. A imprensa chamou a atenção, tomara que ainda dê tempo de se evitar o pior.
Seguindo o tour ambiental por Campinas, os profissionais do Pnuma conheceram a ciclovia da avenida Theodureto Camargo e, depois, a Caravela no Parque Portugal, mais conhecido como Lagoa do Taquaral. Hora de lembrar a “descoberta” do Brasil por Pedro Álvares Cabral, quando a Mata Atlântica cobria todo o litoral brasileiro, de Norte a Sul. Mais de 1 milhão de quilômetros quadrados de enorme biodiversidade, talvez a mais rica do planeta naquela ocasião.
Pois Campinas, em seu processo histórico, é um dos maiores ícones da destruição paulatina e permanente da Mata Atlântica, hoje com muito menos de 10% de sua formação original. Campinas tem menos de 5% de sua vegetação nativa, ou um pouco mais, dependendo da metodologia de cálculo. E há um risco enorme para a vegetação nativa que resta no município, representado pelo citado novo Plano Diretor, que despertou muita inquietação de ambientalistas a e moradores, pelo seu potencial de afetar a zona rural já tão reduzida. Mais uma vez, essas ameaças ao patrimônio natural foram devidamente registradas e apontadas ao longo de muitos anos por profissionais de imprensa.
Enfim, os membros do Pnuma chegam a Campinas em um período recheado de contradições. Estão conhecendo muitas ações concluídas, como os planos municipais de Educação Ambiental e do Verde e o programa de pagamento por serviços ambientais. Seria ideal que também tomassem conhecimento dos enormes desafios ainda restantes, como nas áreas de destinação de resíduos (com muito mais apoio a cooperativas de reciclagem), drenagem e combate a enchentes, melhoria de fato do transporte coletivo, muito mais ciclovias do que as atuais e combate à poluição sonora.
Os técnicos internacionais também vão conhecer detalhes do inventário de emissão de gases-estufa, que será feito de forma inédita em uma região metropolitana. Tomara que também sejam informados de que a Região Metropolitana de Campinas perdeu a oportunidade histórica de ser pioneira na construção de uma Agenda 21, nos termos daquela aprovada na já citada Rio-92. Os esforços pela formulação de uma Agenda 21 na RMC também tiveram ativa participação de profissionais de imprensa, como registrado na mídia local e regional e em livros como “Agenda 21 Municipal na Região Metropolitana de Campinas” (2002), “Agenda 21 Regional” (2004) e “RMC – Região Metropolitana de Campinas – Dez anos de integração” (2012).
A história não começou hoje e não é fruto apenas deste ou daquele personagem, por mais bem intencionado que seja. Ela é História com H maiúsculo, porque muito mais antiga, cumulativa e escrita coletivamente e, no caso da área ambiental em Campinas e região, com importante participação de profissionais de imprensa e da literatura. Um exemplo muito claro foram as edições de “Terramérica”, jornal do próprio Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, publicado como encarte durante um certo período no “Correio Popular” de Campinas.