Jaqueline_04

A coluna vertical da palavra – outro rastro

Jaqueline_04

 

do antes e durante – escuta que se escreve

esperava intrigada pela pergunta. o que é? os olhos coreografavam movimentos lentos quando pesava as palavras. qual cardápio invisível, sem pauta, in-aberto, ela abrira? hipnotizada por si mesma, parou com os olhos na parede, piscou e com uma certeza, que só a alegria conhece, pronunciou o que encontrara. o prazer de nomear e depois…

há momentos de puro-estar-ali

 

ela – 9 anos

– por que foi importante para você aprender a escrever?

– para escrever minhas coisas favoritas, mensagens, textos, livros e as letras que formam as sílabas que formam as palavras. começa de um risco e vai formando um desenho e é isso.

– você acha importante saber pontuação?

– sim, sem a pontuação não iria ter começo, não iria ter pausa e não haveria fim.

– o que mais você gostaria de falar sobre a escrita?

– nada.

único tem um particular igual

liberdade – do verbo libertar, é se soltar da imaginação e da realidade

diretamente – algo direto, que vem surprientemente

precário é precaucio, que é um problema

culminância é o alto da montanha cheia de neve

 

 

– bonita essa música. você que inventou?

– não, veio na minha cabeça.

Jaqueline_05

ela – 5 anos

a casa tem uma entrada com monte de escadas. não é casa pra vivo, é pra morto. não, espera… são cadeiras e tem um transporte que me leva para onde eu quiser. eu quero ir para horlanda, é perto do brasil, é só dá um passo e já chega.

suborno é um forno levando para polo norte para esquentar as pessoas

ruim é quando alguma coisa de ruim que acontece. que ruim quebrar um braço caindo de um paraquedas

 

– mãe, eu sonhei com uma escola só de meninas-lagartas

 

rompante parece rouco

manipulação – quando você manipula alguém. quando uma mãe pula num pula-pula, talvez?

 

– mãe, tipo se eu fosse uma baratinha com chiclete eu fazia uma bola e voaria para o resto do mundo.

 

vapor é quando eu escrevo meu nome no vidro

 

primavera é uma estação maravilhosa

proibido, depois eu falo

continente é de fada que entra dentro da tv e faz filme fabuloso

vegetação é uma cor, é cru

 

– mãe, sabia que hoje é o seu futuro?

 

o menino – 8 anos

verdade é uma pergunta. você tem que falar tudo o que você sente de você. tudo o que você pensa na sua cabeça.

reconhecimento é que você nunca vê uma pessoa que você viu, então você pergunta o nome.

coluna cervical – eu não sei, eu nunca perguntei essa palavra na vida e eu nunca sabia.

sujeito – não é só o nome, é uma pessoa que tenta pensar o que você sente, vê o corpo que tá lá primeiro. tem gente que não consegue andar direito ainda, porque é pequeno

tímido – gente que não fala, não consegue saber o que vai falar. só coisas de falar. você fica com medo, tentando não ficar com medo para ver se a palavra quer falar. para sair de timidez tem que brincar com um espelho. você fala com ele e vê sua verdadeira voz.

borracha – é um material de qualquer coisa de trabalho de escola, serve para tudo apagar que você fez de errado, menos caneta. se você apagar fraco, continua com a letra.

criança – uma pessoa que ainda não sabe de tantas coisas. o que tem em outro país. não sabe onde é o lugar que mora. tem criança que não sabe estudar.

segredo – você fala com alguém só que cochichando. você conta para uma pessoa só.

 

amiga – 9 anos

antropológico é o médico que cuida do pâncreas

assobradada a sobra que é dada e a soga da dada

deslocamento – desloca um osso, quando quebra, sair do lugar, voltar para mãe

 

o menino que estava lá

desespero – tem duas coisas: desesperamente para ir no banheiro; desesperamente de brincar

testemunho – algo da bíblia, história da bíblia

Jaqueline_03

 

 

poema de amor com palavras costuradas por duas mães, uma tia muito avó, outra só tia, filha, filho e uma filha que engatinhava

 

o amor é plena noite

eles e uma relação íntima

bastava um gesto

nada

sem conservar e desespero

mundo tem ponto

o amor é através do deslocamento

como segredo

herdeiro humano

Sobre Jaqueline Fernandes

Percorro palavras e me movimento em torno da literatura, psicanálise e arte. Leio pinçando, produzo com o que arranco e/ou modifico de sua origem. Recorto cenas de sonhos, adiciono interpretações advindas do divã. Poesia, pintura, contos curtos e maternidade são minhas criações no momento. Nasci em 1968.

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