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histórias e palavras

histórias e palavras

jaqueline fernandes

01_Jaqueline_1400_Destacada

– por exemplo, paciência. dentro de paciência tem por favor. quem deseja paciência, pede por favor. você conhece alguma palavra com a letra a?
– alexia.
– amor, amanteigado. imagina você, menina de amor, cheia de manteiga… c é do que mesmo?
– cavalo.
– um cavalo paciente deve ser lindo… depois, quase no meio da paciência, aparece o i. você conhece alguma?
– ilha.
– nossa! ilha é o pedaço de terra mais paciente que conheço, fica lá, sozinha no mar, esperando alguma coisa acontecer, sem sair do lugar e sem se atormentar por isso… amanhã a gente termina. agora dorme!

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– mãe, fumaça é igual neblina. não deixa vê, mas a gente atravessa.

 

 

no inesperado da trama

palavra ainda leite

pronuncia um ponto da linha

 

 

– era longe… no cafuné do judas.

 

– agonizei o quarto… tava tudo desagonizado.

 

 

é tudo misturado

não dá pra deixar a taça o tempo todo

no mesmo lugar da cristaleira
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saber não significa saber detalhada-mente, mas o detalhe.

 

 

– é de medo?
– não, é de salvação. salvação não tem medo.

 

– mãe, olha como eu faço!
passou o dedo na língua e virou a página.

 

 

para cortar uma linha é necessário tirar um ponto.

 

 

– pai, tarde é o nascer da lua. de dia é o pôr da lua, mas, na verdade, ela é também de dia.

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“se a árvore se chamasse cadeira, ela seria uma árvore ou uma cadeira?”

 

 

– no primeiro ano você vai aprender a ler e a escrever, você nunca mais estará sozinha, será a coisa mais preciosa de sua vida.

– eu quero aprender só ler, pra ler o que eu escrevo.

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a mãe da amiga subiu, tomou café e falou de antroposofia. ela escutou que os dentes caem quando a criança aprende a ler. pegou o m, não sabia.
– eme.

– eme. mãe, já tá mole?

 

– a gente tá tão longe que dá pra ver a vista.

 

– onde nasce o bonito?

 

– pai, você tá tão rápido que eu não consigo te alcançar no mapa.

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onde mora a demora?

 

é necessário nos diz-esperar da noção de felicidade.

 

 

balbucio é um balanço de meia-noite.

 

– mãe, sabia que hoje é o seu futuro?

 

conjugar é vestir palavras.

 

– mãe, você está subnormal!

 

– não era a idade da flor mais bela. adolescência é a flor da idade. qual é minha idade?

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– pai, eu sei que 1 + 1 é 11

 

branco é um tipo de cor que vive nas nuvens e todo lugar. nas páginas, no livro das páginas.

 

– uma palavra de geografia?

– google maps

 

– 138, 136, 137…
– mãe, quando chegar o infinito eu que conto

 

 

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não se conta dela, se conta com ela.

 

 

– é pintura rubestre.
– de Ruben?
– vem de Ruben, mas é primitivo.

 

– mãe, estou aqui nessa caverna. se alguém precisar de mim… eu te procuro.

 

– eles falam a mesma língua q a nossa?
– sim.
– e o dinheiro é o mesmo?
– sim.
– ufa!

 

 

inventa lugares para reinventar a origem

 

 

– mãe, eu tive 10 sonhos. não, mil.

– me conta?
– não, mil é muito.

 

– agonizei o quarto… tava tudo desagonizado.

 

 

para recortar é preciso tesoura

 

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tinha uma escada com vidro para o perigo.

 

 

des-com-passo é uma coreografia

escutou pela primeira vez

era o primeiro passo daquela palavra

 

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– o que você procura?

– não sei.

 

 

era da boca da criança

tanto tempo ainda

repetiria o novamente

se saio é pra sair e retornar como a serpente de uma helicoidal

escorregando um passo do círculo a cada movimento

Sobre Jaqueline Fernandes

Percorro palavras e me movimento em torno da literatura, psicanálise e arte. Leio pinçando, produzo com o que arranco e/ou modifico de sua origem. Recorto cenas de sonhos, adiciono interpretações advindas do divã. Poesia, pintura, contos curtos e maternidade são minhas criações no momento. Nasci em 1968.

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