A música que encanta (Arquivo Pessoal/André Sarria)
A música que encanta (Arquivo Pessoal/André Sarria)

Beethoven para a alma e para o câncer

Andre_PB_400x400Eles dizem que música pode alterar seu comportamento e falar com você. Mas pode carregar uma arma e atirar também?” (Eminem)

 

De minhas várias idas e vindas ao Brasil, a volta é sempre a parte mais dolorida e por mais que eu faça isso há anos ainda é bastante doído deixar a família para trás. Numa dessas voltas, como de costume, meu irmão me leva até a rodoviária de uma cidade vizinha, onde ali eu pego um ônibus para São Paulo. Teve um dia em que meu sobrinho foi junto e, no meio do caminho, ele vendo que eu mal falava, disse que iria me cantar uma música que iria me animar. A música era Irene, do Rodrigo Amarante, e seus versos: “Saudade, eu te matei de fome. E tarde, eu te enterrei com a mágoa, Se hoje eu já não sei teu nome. Teu rosto nunca me deu trégua…

Não posso dizer que, enquanto eu ouvia aqueles versos melódicos, eu tenha ficado animado, como era o objetivo do moleque, mas, com certeza, ela me deu a estranha sensação de segurança, algo como uma criança ir dormir na cama de seus pais.

Ouvir música causa uma mudança emocional nas pessoas: música alivia o stress, altera os sentidos, relaxa ou lhe enche de serotonina, dando-lhe uma injeção de ânimo para fazer, digamos, um esporte ao ar livre. Ela faz parte de toda e qualquer cultura, e desde que “o mundo é mundo” música está presente em nosso dia a dia. Muitos profissionais a utilizam também como forma de terapia para curar diversos problemas como traumas.

Diversos estudos sugerem que muitas respostas, aos sons em geral, são complexas e não vêm somente de fatores psicológicos, já que muitos dos efeitos observados e conhecidos vêm das respostas emocionais que a música traz aos nossos sentidos. Sendo assim, seria a música capaz de curar doenças um tanto quanto mais físicas como um câncer ou barrar o seu crescimento?

Pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro, liderados pela professora Dra. Marcia Capella, estão investigando o efeito da música no desenvolvimento de tumores cancerígenos. Os investigadores utilizaram algumas das obras musicais de grandes compositores para encontrar algumas respostas.

A força eterna da música clássica (WikiImages_Public Domain)
A força eterna da música clássica (WikiImages_Public Domain)

Para essa pesquisa foram utilizadas duas linhagens de células cancerígenas, a MCF-7 e a MDA-MB-231, ambas de câncer de mama. Essas células cancerígenas ficaram “ouvindo”, por meia hora, três obras de diferentes compositores; foram eles Mozart, Beethoven e György Ligeti. Após a meia hora de audição, as células cancerígenas foram deixadas para crescer por um período de 24, 48 e 72 horas e, após esses períodos, foram avaliadas diversas características, como a apoptosis – morte celular.

Os pesquisadores observaram que em torno de 20% das células cancerígenas tendiam a se reduzir de tamanho e morrer ao serem expostas à Quinta Sinfonia de Beethoven e à Atmosphères de Ligeti. Células expostas à obra de Mozart não apresentaram nenhum efeito e foram comparadas ao controle (células que não “ouviram” nenhuma música).

Mas, se as células não têm ouvido para saber qual é a obra de Mozart e qual é de Beethoven, como é possível que houvesse uma redução no crescimento tumoral? Ainda não se sabe de que maneira essas obras influenciaram esses tumores ou o mecanismo bioquímico envolvido, mas músicas são misturas de diversas frequências e ondas sonoras, e essas vibrações podem ser a resposta para esse resultado. Aqui se retira o fator emocional da música – já que Atmosphére de Ligeti é bastante perturbadora – e são analisados seus efeitos em células como uma mistura de frequências e ondas sonoras. Essa pesquisa teve início em 2010 com apoio do CNPq e da Fundação do Câncer, e esse resultado com câncer de mama foi publicado ano passado, na revista científica “Evidence-based Complementary and Alternative Medicine”, uma revista que pertencia à editora da Universidade de Oxford e agora pertence ao grupo Hindawi.

O trabalho é bastante instigante, mas novos estudos devem ser feitos a fim de se encontrar mecanismos que expliquem de que maneira a propagação de ondas sonoras interfere no desenvolvimento desses tumores. Por ora, relaxemos, de preferência ao som de Beethoven.

 

Nota:

Existem muitas pesquisas científicas que mostram que frequências e ondas sonoras interferem no desenvolvimento de diversos organismos, como, por exemplo, a descoberta de que a frequência de 1 KHz a 5 KHz promove o crescimento da bactéria Escherichia coli e que também uma frequência de 261 Hz consegue alterar o crescimento da fibromatose gengival humana em meio de cultura.

Foi observado que ondas sonoras exercem influência na produção da configuração alfa em uma proteína presente em células da planta do tabaco; raízes de ervilhas são capazes de encontrar fontes de água somente pela vibração que a água fazia no solo; certas vibrações sonoras também são capazes de conduzir alterações em proteínas e hormonais em plantas de arabidopsis.

 

As obras utilizadas para este trabalho foram:

Sonata para piano em D maior. KV 448 do Mozart

(https://youtu.be/v58mf-PB8as)

Quinta sinfonia, primeiro movimento de Beethoven

(https://youtu.be/B7pQytF2nak)

Atmosphères, primeiro movimento de György Ligeti

(https://youtu.be/JWlwCRlVh7M)

segue o link do youtube para quem quiser ouví-las

 

O trabalho “Exposure to music alters cell viability and cell motility of human no auditory cells in culture” pode ser encontrado no seguinte endereço https://www.hindawi.com/journals/ecam/2016/6849473/

 

 

Sobre André Sarria

Os certificados e papéis dizem que eu sou cientista, mas prefiro ser mais um "escutador" da natureza do que cientista. A natureza fala e eu a traduzo em linguagem de gente. Nasci em Cajobi e trabalhei em Londres como Pesquisador no Rothamsted Research. Atualmente moro em Madrid onde sou Diretor de Pesquisa e Desenvolvimento em uma empresa Europeia de agricultura.

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