Crédito: creativecommons.org
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O último congresso das Lendas Urbanas

Dava pra se engasgar com a atmosfera de derrota que dominava aquele congresso das Lendas Urbanas. Sentindo-se esmagadas pelo que se chama por aí de “modernidade”, elas resolveram se reunir pra discutir formas de brecar sua extinção iminente. A Loira do Banheiro abriu os trabalhos: “Pra vocês terem uma ideia do quanto a nossa situação anda crítica, imaginem que na última vez que tentei assombrar um banheiro de escola, fui ameaçada por uns moleques armados até os dentes, que me acusaram de estar atrapalhando uma transação de crack. Logo que entenderam que iam desperdiçar bala num fantasma, eles me cobriram de porrada e até me fizeram engolir os chumaços de algodão que eu usava nos ouvidos.”

O Ladrão de Rins foi o próximo: “Preparei a banheira com gelo no maior capricho e quando abri a vítima que havia posto pra dormir, cadê os rins? Acordei o cara e ele me contou que já havia rifado os dois.”

O Homem do Saco pediu a palavra: “É só descuidar um pouquinho que meu saco de raptar crianças fica lotado de menores abandonados, que as famílias desovam lá sem eu ver.”

O lamento do Bebê Diabo foi de cortar o coração: “Nem bem nasci, de chifrinhos e rabo, e eu já estava sendo disputado na porrada por bandas de rock que me queriam como mascote.”

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Houve quem tentasse impedir o Chupa-Cabras de se manifestar. “Esse cucaracha não é brasileiro e muito menos urbano!”, protestaram. Após breve deliberação, decidiu-se que ele já havia desenvolvido uma carreira razoável no imaginário das nossas cidades. Aí, ele chiou: “Me acusam de ser estrangeiro? E o que dizem desses vampirinhos gringos de Hollywood? Todos bonitinhos, saradinhos… o povo só quer saber deles.”

Aproveitando a baixa na xenofobia da categoria, o ET de Varginha soltou a voz esganiçada: “É, o cinema é fatal pra nós; todo mundo me despreza porque eu não tenho o padrão de beleza dos seres do Avatar.”

Ninguém mais conseguiu se pronunciar: o zelador do salão alugado pelas Lendas Urbanas interrompeu o congresso pra avisar que o lugar tinha que ser esvaziado para receber o simpósio dos Mitos da Internet.

Sobre Carlãozinho Lemes

Antes do jornalismo, meu sonho era ser... astronauta. Meu saudoso pai me broxou: “Pra isso, precisa seguir carreira militar”. Porém, nunca deixei de ir transmutando a sucata anárquica dos pesadelos em narrativas cambaleantes entre ficção científica, uma fantasia algo melancólica, humor insólito e a memória — essa tumba mal lacrada de maravilhas malditas. Assim, é o astronauta precocemente abortado quem proclama: rumo ao estranho e às entranhas!

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