As plantas falam (Foto André Sarria)
As plantas falam (Foto André Sarria)

O silêncio dos jardins

As plantas falam. Pode parecer ficção científica ou exagero de minha parte, mas a ciência já tem provado há anos que plantas se comunicam entre si e com outros organismos ao seu redor, como insetos e fungos.

Até mesmo aquela samambaia pendurada na varanda da casa de sua tia tem voz.

É simples de se “ouvir” o que elas falam, basta ir a um bosque ou a um jardim e respirar profundamente. O cheiro que você irá sentir ali são as palavras. Esse cheiro produzido por elas, como de eucalipto, laranja, folhas verdes, grama cortada, é chamado de compostos orgânicos voláteis, e as plantas produzem milhares deles, e juntos eles se misturam para formar as frases e as sentenças que elas precisam para enviar recados e serem entendidas.

Essas “palavras” têm muitas funções, uma delas para avisar às outras plantas sobre algum perigo se aproximando, outra função é para atrair insetos para a polinização. Nós também usamos essas “palavras”, mas como licença poética para sentir seus perfumes.

Como as plantas não podem se mover e devem permanecer no mesmo lugar onde cresceram, elas desenvolveram a habilidade de produzir compostos voláteis para conseguir sobreviver e, sem isso, a vida ali seria bastante difícil para elas.

A poluição atmosférica está ameaçando a comunicação das plantas (Foto André Sarria)
A poluição atmosférica está ameaçando a comunicação das plantas (Foto André Sarria)

Mas, a atividade humana está interferindo nisso, e a poluição atmosférica está ameaçando essa comunicação e muitas espécies já não são mais capazes de se comunicar da mesma maneira que antes.

Imagine que as plantas percam a capacidade de atrair insetos para a polinização! Você seria capaz de imaginar o tamanho do impacto que isso causaria na produção de alimentos? Sem a polinização, a produção de alimentos cairia para níveis em que seria impossível alimentar a tanta gente; se hoje pessoas já morrem de fome…

De que maneira elas se comunicam? Existem diversas maneiras, cito aqui um exemplo que acontece com o milho. Um milharal sabe reconhecer quando está sendo atacado por lagartas. Quando as lagartas famintas estão devorando suas folhas, o milho aprendeu a reconhecer na saliva das lagartas uma substância chamada de volicitina. Quando o milho percebe a presença da saliva da lagarta, ele imediatamente começa a produzir um composto volátil que é liberado no ar.

Esse composto consegue viajar grandes distâncias até ele ser percebido por um tipo de vespa, uma inimiga e predadora natural de lagartas. As vespas então reconhecem esse composto como um grito de socorro e vão até o milharal para devorar as lagartas. O mais interessante desse efeito é que pesquisadores imitaram as mordidas das lagartas e, utilizando uma pequena tesoura, eles faziam pequenos cortes idênticos às mordidas da lagarta nas folhas, mas o milho não emitia nenhum sinal químico. O sinal, ou o grito de socorro, só era produzido quando a saliva da lagarta estava presente. Um processo adaptativo brilhante.

Esse efeito de chamar insetos para socorrer ocorre muito frequentemente na natureza e diversas outras plantas trabalham em colaboração com eles.

Uma vez, realizamos aqui na Inglaterra um estudo parecido. Para tanto, utilizamos a lagarta Diatraea saccharalis ou a broca da cana de açúcar. Essa lagarta ataca plantações de cana-de-açúcar. Observamos que as folhas da cana-de-açúcar também emitiam esses gritos de socorro quando em contato com a saliva da diatraea. Um dos gritos de socorro produzidos pelo milho e pela cana-de-açúcar é chamado de cariofileno, e sua função é a de atrair predadores.

Entendendo de que maneira essas comunicações ocorrem, podemos propor métodos mais eficientes no combate a pragas agrícolas e também na produção de alimentos.

Mas, como eu disse acima, cientistas estão descobrindo que a poluição atmosférica e o excesso de ozônio estão interferindo nestes sinais e deixando as frases sem sentido, que já não são mais entendidas pelas plantas e nem pelos insetos. De uma maneira mais simples, posso dizer que a atividade humana está destruindo as mensagens enviadas pelas plantas. Cito um exemplo que ocorre com o limoneno. O limoneno é também uma das palavras utilizadas pelas plantas. Ele tem cheiro de laranja e está presente no óleo de cítrus e em muitas outras espécies de plantas. Quando o limoneno entra em contato com o ozônio presente no ar, ele reage rapidamente e se converte em outros compostos que já não são mais reconhecidos por outras plantas ou por outros insetos.

Quimicamente dizendo, o limoneno reage com o ozônio gasoso numa reação chamada de ozonólise e, como resultado, temos um limoneno degradado que se converteu ao que chamamos de aldeído, nem de longe o mesmo composto com cheirinho de laranja. Não é somente a linguagem que é destruída, mas também a distância em que ela é ouvida. Muitos compostos voláteis produzidos pelas plantas conseguem viajar pelo ar por centenas de quilômetros.

Quando eu era criança e morava em Cajobi, lembro-me das noites de verão e do cheiro doce e, às vezes, insuportável que uma planta chamada de Dama da Noite produzia. O cheiro era bem forte a parecia que a planta estava ali na sala de casa, quando, na verdade, ela estava a uns dez quarteirões dali.

Gases emitidos por escapamentos degradam os cheiros das plantas (Foto André Sarria)
Gases emitidos por escapamentos degradam os cheiros das plantas (Foto André Sarria)

Hoje, os excessos de gases emitidos por escapamentos, como óxido de nitrogênio e outros, degradam esses cheiros, e o que antes conseguia viajar centenas de quilômetros hoje já não é sentido nem a 200 metros dali.

Um trabalho realizado em jardins de grandes centros urbanos mostrou que os gases, como os emitidos por escapamentos de carros e pela queima de diesel, estão degradando os cheiros das flores. Antes, os cheiros produzidos por um jardim ficavam no ar por até 18 horas e hoje já não ficam por mais de 5 minutos.

Não seria de se estranhar se alguém dissesse que as rosas daquele jardim do centro de sua cidade já não têm mais o mesmo cheiro de antes, não seria uma percepção poética dele, mas um fato científico comprovado.

A solução?

Essa eu deixo para o meu sobrinho de 9 anos, eis que ele me respondeu:

“Devemos plantar mais árvores, encher as cidades de jardins e parar de poluir o ar.”

Uma proposta simples e certeira para fazer as plantas voltarem a falar.

Sobre André Sarria

Os certificados e papéis dizem que eu sou cientista, mas prefiro ser mais um "escutador" da natureza do que cientista. A natureza fala e eu a traduzo em linguagem de gente. Nasci em Cajobi e trabalhei em Londres como Pesquisador no Rothamsted Research. Atualmente moro em Madrid onde sou Diretor de Pesquisa e Desenvolvimento em uma empresa Europeia de agricultura.

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