A Gualicha, de Cajobi (Foto Arquivo Pessoal)
A Gualicha, de Cajobi (Foto Arquivo Pessoal)

Cavalos que olham os dentes

“Meu pai tinha uma égua muito especial, ela se chamava Gualicha, uma puro sangue pangaré. Mas Gualicha era muito inteligente e, dentre tantas habilidades que possuía, deitar e rolar como um cão era a que mais fascinava as pessoas. Durante suas infinitas apresentações pelas ruas de Cajobi, meu pai a apresentava com muito orgulho e desafiava qualquer pessoa a fazer a Gualicha deitar e rolar. Claro que ninguém conseguia, pois a égua só era capaz de fazer isso quando meu pai fazia uma expressão silenciosa com a cara. Ela sabia que aquela cara era o sinal para deitar e rolar e, de alguma maneira, os dois tinham uma ligação inconsciente que não necessitava de palavra, e Gualicha sabia ler muito bem esses sinais.”

Meu pai em um de seus momentos com a égua Gualicha (foto: arquivo pessoal)
Meu pai em um de seus momentos com a égua Gualicha (foto: arquivo pessoal)

Dizem que a cavalo dado não se olha os dentes, mas creio que esse antigo ditado popular não funcionaria tão bem pelo ponto de vista dos cavalos, pois eles sim olham os dentes e inclusive julgam as pessoas por suas expressões.

Cientistas ingleses descobriram que cavalos são capazes de se lembrar de uma pessoa, e fazem julgamento de acordo com a expressão que a pessoa fazia quando eles a viram pela última vez. O trabalho envolveu mostrar ao cavalo uma fotografia de uma pessoa sorrindo ou fazendo cara feia. Passadas algumas horas, a pessoa da fotografia aparecia de frente ao cavalo fazendo uma cara neutra, isto é, a pessoa nem sorria e nem fazia cara feia, tudo para saber como o cavalo reagiria.

Os pesquisadores descobriram que os cavalos sabiam reconhecer que aquela era a pessoa que eles viram anteriormente na foto, e respondiam a isso.

É sabido que diante de situações ameaçadoras e negativas, cavalos reagem e olham para a situação utilizando seu olho esquerdo, e diante de situações positivas com seu olho direito.

Quando os cavalos estavam em contato com a pessoa que fazia cara feia na fotografia, eles passavam a maior parte do tempo olhando com seu olho esquerdo, e cientistas perceberam que eles estavam mais estressados, coçando-se e fungando para o chão. Em contraste, quando eles estavam com a pessoa que fazia uma cara feliz na foto, eles passavam mais tempo olhando ela com seu olho direito e não apresentavam sinais de stress. Em outras palavras, eles estavam reconhecendo as pessoas e fazendo julgamentos, baseados naquilo que eles viram anteriormente.

Muitos animais são capazes de se lembrar de uma pessoa, como ovelhas e peixes. O corvo, por exemplo, fica com rancor se uma pessoa o ameaçou e guarda esse sentimento pelo resto de sua vida e é capaz, inclusive, de ensinar aos seus companheiros a fazer o mesmo. No entanto, somente cavalos são capazes de formar uma opinião sobre determinada pessoa, baseada em uma fotografia.

O estudo de comportamento animal é uma área de extrema importância, mas foi em 1904 que um cavalo mudou completamente a forma como os cientistas pensavam sobre o aprendizado animal e mudou a maneira como os estudos são feitos. O cavalo era conhecido como Clever Hans e, após seu comportamento ser desvendado pelos psicólogos, o termo “Clever Hans Phenomenon” passou a ser utilizado e até hoje é aplicado em estudos em comportamento animal.

Em 1904, na Alemanha, o cavalo Hans atraiu a atenção mundial como o primeiro e o mais famoso animal falante e pensante do mundo. Seu dono, von Osten, um professor de matemática, treinou-o para responder a diversas questões, como operações aritméticas. Hans as respondia batendo seus cascos no chão. Mais tarde, descobriu-se que o cavalo era capaz de dar a resposta correta porque ele “lia” as mensagens no rosto de seu dono que, inconcientemente, lhe dava pistas. Ele só era capaz de acertar a resposta se a pessoa que fazia a pergunta também a soubesse. Hans era capaz de ler gestos inconscientes que as pessoas faziam. Essa observação causou uma revolução no campo de estudos em comportamento animal.

De fato, os animais são mais sensíveis aos seres humanos do que se pensava, pois eles são capazes de ler mensagens corporais de que nós nem nos damos conta. Entre a Gualicha e Hans temos mais de um século de diferença e quase nada se sabe sobre o comportamento desses incríveis animais.

Para quem quiser saber mais, o trabalho “Animals Remember Previous Facial expressions that Specific Humans Have Exhibited” foi publicado pela revista Current Biology e pode ser encontrado free pelo site da revista: doi.org/cn2w

Sobre André Sarria

Os certificados e papéis dizem que eu sou cientista, mas prefiro ser mais um "escutador" da natureza do que cientista. A natureza fala e eu a traduzo em linguagem de gente. Nasci em Cajobi e trabalhei em Londres como Pesquisador no Rothamsted Research. Atualmente moro em Madrid onde sou Diretor de Pesquisa e Desenvolvimento em uma empresa Europeia de agricultura.

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