O Brasil acaba de vivenciar uma das maiores experiências democráticas de sua história, e justamente no setor – a Educação – que efetivamente pode garantir um futuro de justiça e solidariedade para todos. Foram quase 12 milhões de contribuições ao texto preliminar da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Milhares de professores, escolas e vários tipos de organização social participaram. Mas toda essa riqueza mereceu não mais que “pé de página” nos jornais ou limitadíssimo destaque nos portais. Parte da mídia está mais preocupada em contribuir para multiplicar a intolerância que está tomando de assalto as ruas, as praças e os lares dos brasileiros. Um dos grandes riscos que atravessamos é em que a histeria sequestre a história, e o país continue perdendo chances enormes de dar maiores saltos.
A construção da Base Nacional Comum Curricular é prevista no Plano Nacional de Educação (PNE) que, com todas suas limitações, é um roteiro para a edificação de uma sociedade mais perto de ser democrática, na medida em que fundamentada em oportunidades iguais de uma educação de qualidade e integral para todos, da infância à maturidade. O Plano, pode-se dizer, é o hardware, e as suas metas, a BNCC entre elas, são o software, aquelas estratégias e ações para a implementação do PNE. A Base Nacional, especificamente, vai apontar as diretrizes curriculares essenciais para as escolas do século 21, compreendendo um núcleo comum a um país de dimensão continental e, também, abrindo espaço para o olhar local e regional.
Houve muita polêmica sobre o texto preliminar da Base, oferecido à discussão pelo MEC, sobretudo no âmbito do ensino de História. A controvérsia é mais do que saudável e, para mim, de fato o ponto mais positivo foi a gigantesca afluência da comunidade da Educação no processo.
Foi um claro sinal do desejo de melhoria da escola pública e do sistema educacional como um todo. A sociedade sabe que a escola atual – e, poderíamos dizer, o conjunto de nossas instituições – está defasada em relação aos desafios impostos pelo mundo contemporâneo, globalizado e tecnificado. E demonstrou que quer contribuir para a qualificação do ensino e aprendizagem.
Outro ponto relevante da “milionária” colaboração foi que ela se deu no espaço da Internet, confirmando o seu potencial para uma democracia participativa e direta, o que o Brasil demanda no lugar da arcaica democracia exclusivamente representativa, controlada por oligopólios partidários e com perfil machista e excludente.
Em suma, em pleno cenário nacional conturbado, a narrativa das contribuições à BNCC mostrou que a sociedade brasileira (ou parte significativa dela), no fundo, está atenta ao que realmente precisa mudar. E isto no ano em que, pela lei, todas as crianças de 4 e 5 anos devem estar matriculadas na educação infantil, o que é mais um grande salto civilizatório para o país.
Avanço civilizatório também demonstrado pela recente entrada em vigor do Marco Legal da Primeira Infância, um conjunto de conceitos e medidas em benefício direto de 20 milhões de brasileirinhos e, indireto, de todos nós. O Marco Legal foi aprovado na primeira sessão do Senado, no dia 3 de fevereiro. Aprovado por unanimidade, o que é muito em um contexto de profundas divisões políticas e ideológicas, e depois sancionado sem vetos pela presidente Dilma Rousseff, após importante trabalho da Frente Parlamentar da Primeira Infância e, particularmente, da Rede Nacional Primeira Infância (RNPI).
A maravilhosa cooperação de vários segmentos ao processo de construção da Base Nacional Comum Curricular, em ano de todas crianças de 4 e 5 anos na educação infantil e de entrada em vigor do Marco Legal da Primeira Infância, reafirma, enfim, que é possível ter esperança, mesmo em uma conjuntura perturbadora. Qualquer que seja o desfecho da crise em curso, o Brasil precisará de um pacto. A infância e a Educação já demonstraram que podem ser eixos de união nacional, respeitadas, sempre, as divergências de opinião, cujo direito de expressão deve ser sempre sagrado.