Reduzir emissões atmosféricas é um dos maiores desafios neste século (Foto José Pedro Martins)
Reduzir emissões atmosféricas é um dos maiores desafios neste século (Foto José Pedro Martins)

A guerra da atmosfera começou e o Brasil também é vítima

Os sinais do desastre global provocado pelas mudanças climáticas continuam se multiplicando e é cada vez mais improvável que haja tempo de reverter o cenário. 2015 foi de novo o ano mais quente desde 1880, quando começaram as medições. Em março, a cobertura de gelo marinho no Ártico atingiu a sua menor extensão nesse período do ano, também desde o início dos registros por satélite, em 1979. O “branqueamento” da Grande Barreira de Corais na Austrália tem atingido o índice máximo, consequência do aquecimento do oceano. E no Brasil, como se sabe, grande parte do país continua convivendo com os impactos da forte estiagem dos últimos anos, mesmo que autoridades e órgãos públicos continuem dizendo que está tudo bem. O panorama é grave, mas nas últimas semanas deu mostras de que pode piorar, como resultado do que pode ser chamado de “guerra da atmosfera” entre as grandes potências.
A lógica que tem movido as ações geopolíticas contra o aquecimento global não é a do interesse dos povos, e muito menos das espécies de flora e fauna que continuam sendo devastadas. A motivação desses poderes continua sendo a da busca das melhores “oportunidades” para se agir diante da crise planetária.
Durante a Conferência do Clima realizada em Paris em dezembro último, o lobby da energia nuclear foi muito atuante e eficaz, por exemplo, no sentido de apontar essa fonte cara e perigosa como alternativa para reduzir as emissões de CO2. Essa postura continuou a ser adotada na recente reunião sobe segurança nuclear, em Washington, com a participação de lideres de 53 países. Por ocasião do evento, o embaixador do Brasil na Agência Internacional de Energia Atômica, Laércio Antônio Vinhas, defendeu o incremento do uso da energia nuclear, inclusive no seu país, para auxiliar na redução das emissões de carbono. Ou seja, em altos círculos, inclusive no Brasil, continua vigorando a ideia de usar a energia que levou aos desastres de Chernobyl e Fukushima como a “salvação do planeta” em termos de combate ao aquecimento global.

Energia eólica ainda é pouco incentivada no Brasil, que também tem enorme potencial em energia solar (Foto José Pedro Martins)
Energia eólica ainda é pouco incentivada no Brasil, que também tem enorme potencial em energia solar (Foto José Pedro Martins)

Outra frente de batalha da “guerra da atmosfera” é a briga de gigantes que já ocorre pelo controle dos recursos naturais do Polo Norte que, teoricamente, ficariam mais disponíveis com o derretimento das geleiras. A Rússia está investindo muito nesse sentido, ampliando sua frota de navios quebra-gelo e outros arsenais para aumentar sua capacidade de exploração. Estados Unidos e Canadá, claro, estão atentos e buscando dar suas respostas nessa nova, literalmente, “guerra fria”.
Voltando ao Brasil, impossível não citar Belo Monte, a contestada usina que vai ampliar a capacidade energética do pais, às custas de impactos ambientais e sociais incomensuráveis, sobretudo para as populações indigenas e outras comunidades tradicionais da Amazônia. Enquanto isso, também não dá para esquecer, o governo brasileiro vetou, no Plano Plurianual 2016-2019, muitos objetivos, metas e iniciativas estipulando o fomento a energias renováveis de origem não-hidráulica. Isto é, continuará o foco na energia hidrelétrica como “única” renovável, em um pais com sol o ano todo e enorme potencial de energia eólica, entre outras.

Em suma, em escala mundial o que se vê é a busca de “oportunidades”, e não de reais medidas para frear as mudanças climáticas de origem humana. Sim, é preciso registrar que tem havido notável ampliação dos investimentos em energias renováveis.
De acordo com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), em 2015 o investimento global em nova capacidade de energias renováveis, de US$ 286 bilhões, foi mais do que o dobro dos US$ 130 bilhões investidos em novas centrais térmicas a gás e carvão. Desde 2004 já foram investidos US$ 2,3 trilhões em energias renováveis (excluindo projetos hidrelétricos de mais de 50 megawatts, como Belo Monte, que terá mais de 11 mil megawatts ao final).
Mesmo com esse considerável avanço das capacidades em energia renovável, é preciso notar que continuam sérias contradições. A China investiu US$ 102,9 bilhões em renováveis em 2015, 36% do total mundial. A China tem dado saltos sobretudo na dilatação do parque de energia solar. Contudo, a China continua usando muito carvão e petróleo, prossegue sendo o maior emissor de CO2 e tem enfrentado problemas seríssimos com poluição atmosférica, o que tem causado inclusive fortes protestos populares.
Resumo da ópera: tem havido maior investimento em renováveis (as renováveis de fato, e não as pseudo como a nuclear), mas a pergunta é se a motivação principal é a construção de uma nova sociedade ou, apenas, a manutenção da lógica do “tirar vantagem em tudo”, mesmo da desgraça climática. E, mais importante, se haverá tempo de reverter um quadro cada vez mais dramático, ainda que “autoridades” e governantes continuem adotando o discurso da negação.

O Brasil tem total condições de ser líder global em energias renováveis de fato, mas até o momento continua prevalecendo a hegemonia do petróleo e das grandes usinas hidráulicas, em detrimento de outras alternativas que o país tem de sobra.

Sobre José Pedro Soares Martins

Mineiro nascido com gosto de café e pão de queijo, ama escrever pois lhe encantam os labirintos, os segredos e o fascínio da vida traduzidos em letras.

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