Calma, eu vou explicar. À primeira vista, falar que “solidariedade hídrica” representa uma ameaça pode soar esquisito, desumano. Afinal, todos têm direito à água. É um direito do ser humano, como finalmente reconheceram as Nações Unidas em 2010. Do que se trata aqui é usar o termo “solidariedade hídrica” para manipular e esconder a realidade. Nesse sentido, a expressão com certeza não é nada benfazeja.
Aos fatos. Na última sexta-feira, 29 de julho, Campinas sediou uma reunião técnica aberta, dentro do calendário de renovação da outorga do Sistema Cantareira. A Sabesp quer uma nova outorga para continuar gerenciando o Sistema que abastece cerca de metade da Grande São Paulo.
Muitas pessoas, ligadas a órgãos públicos, que se pronunciaram durante a reunião se referiam à “solidariedade hídrica” como a premissa que deveria orientar as discussões de renovação da outorga do Cantareira. Não deveria se pensar apenas em uma parte de uma grande região. Deveria se olhar para o todo, para todos os componentes dessa região. Essa seria a prática da “solidariedade hídrica”, todos pensando em todos.
Pois bem, a grande região seria a Macrometrópole Paulista, formada pela Grande São Paulo, que está na bacia do Alto Tietê; a região de Campinas e Piracicaba, que fica nas bacias dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí; e mais as regiões metropolitanas da Baixada Santista, do Vale do Paraíba e Litoral Norte e regiões de Sorocaba e Jundiaí. Falar em “solidariedade hídrica”, para os seus defensores, seria pensar em toda essa macrometrópole de forma integrada, em todas as soluções de abastecimento que, somadas, garantiriam o abastecimento de água nessa região em 15, 20 ou 30 anos.
É justo, mas seria muito injusto, em nome da “solidariedade hídrica”, exigir ainda mais sacrifícios das bacias PCJ, onde está a região de Campinas e Piracicaba. Porque, na prática, há 40 anos as bacias PCJ, e particularmente a bacia do rio Piracicaba, pratica a mais pura “solidariedade hídrica”. Há quatro décadas saem da bacia do rio Piracicaba as águas para alimentar os reservatórios do Cantareira, que serve metade da Grande São Paulo. Ou seja, há 40 anos ocorre a transposição de bacias, do Piracicaba para o Alto Tietê.
E em todo esse período a bacia do rio Piracicaba sempre foi injustiçada, preterida nas decisões sobre o gerenciamento do Cantareira. São até 31 metros cúbicos, ou 31 mil litros de água por segundo transferidos da bacia do Piracicaba para a bacia do Alto Tietê, através do Cantareira. Por outro lado, o Cantareira liberou no máximo, nos últimos anos, 5 metros cúbicos por segundo para a própria bacia do rio Piracicaba. Ultimamente, em função da forte estiagem de 2014-2015, a bacia do Piracicaba recebe muito menos que isso do Cantareira.
Em outras palavras, a região do PCJ conhece muito bem o que é “solidariedade hídrica”, porque a pratica há muito tempo. Seria, de novo, a continuação de uma injustiça histórica se, em nome dessa “solidariedade hídrica”, as bacias PCJ, a região de Campinas e Piracicaba, continuassem sendo discriminadas na divisão do “bolo” das águas do Cantareira.
O calendário pela renovação da outorga do Cantareira terá outras etapas, até maio de 2017. Haverá muitas oportunidades para que essa injustiça histórica não se perpetue.
Videos da reunião tecnica aberta
https://www.youtube.com/watch?v=q_KfpFSPojE