Os Jogos do Rio de Janeiro reacenderam a polêmica sobre o que é, afinal, esporte olímpico. É justo alguém como Rafael Nadal, Serena Willians ou Andy Murray disputar no tênis, ou a equipe americana “NBA” no basquete ou até um Neymar “Barcelona” no futebol, contra atletas que muitas vezes penam muito para prosseguir sua paixão no dia a dia, por absoluta escassez de recursos? O certo é que, no Brasil do futebol, está cada vez mais distante aquele cenário das pelejas nos “campinhos”. Serão os jogadores da várzea, no litoral, no zona rural ou em uma metrópole, os verdadeiros campeões olímpicos? De qualquer modo, aqui vai o tributo à várzea de Campinas, representando os “campinhos” de todo país, de tantas alegrias e histórias acumuladas.
Gazeta Esportiva, de jornal a time de meninos – Gazeta Esportiva, nome de jornal importantíssimo na história do futebol brasileiro, time amador com história tão quanto na várzea de Campinas. O Zaiman de Brito, jornalista da pesada, foi um dos fundadores, junto com José Perez Pombal. O time nasceu no Colégio Campineiro, do professor Messias Gonçalves Teixeira, depois Colégio Batista. Os dois arrumaram um jogo de camisas que o jornal Gazeta Esportiva estava distribuindo. Um jogo foi para Campinas e outro para o distrito de Sousas. Ficou então Gazeta de Campinas e Gazeta de Sousas. A Ponte Preta cedeu calção, meia, e os dois montaram o time. Um time de meninos, até que Pery Chaib assumiu.
Péssimo jogador, excelente treinador – Zaiman jogava muito mal, apesar de ter sido “um dos primeiros pontas que buscavam jogo”. Mas ficou anos no Gazeta, junto com José Perez Pombal, Pery Chaib, o Tufi e um quarto-zagueiro não muito bom de bola mas técnico excepcional, Otacílio Pires de Camargo, o Cilinho do mágico time dos meninos do São Paulo na década de 1980.
Time corta-traves – O Gazeta era um time de raposas. Não gostava de perder nada. Dia de decisão em Sousas, meio time com gripe, não houve dúvidas. Pela madrugada, agentes anônimos do Gazeta cumpriram com êxito a missão: serrar as traves do campo do time adversário. Jogo adiado, time restabelecido, o Gazeta se tornou campeão.
O dia em que Cilinho conciliou – Mais que time, o Gazeta era uma irmandade. Do Hélio Ortiz, do Rob da Farmácia, da patota do Largo do Rosário, do Bar Turfe. O Cilinho começou a carreira de treinador no Gazeta. O Pery Chaib era presidente, e o Zé do Pito, vice. Um dia Ciclinho pôs Zé do Pito no banco. Isso porque o Zé do Pito, antes de começar o jogo, estava ajudando o Sérgio Salvucci, que ia narrar o jogo para uma emissora de rádio. Ou seja, na visão de Cilinho, Zé do Pito não estaria devidamente concentrado para a partida.
O Zé do Pito não titubeou. Na segunda-feira, pediu para o Pery Chaib se afastar, e assumiu a presidência. E convocou o Cilinho, com a ordem: ou você me põe para jogar, ou está demitido. O Cilinho teve de conciliar, o que não faria na Ponte Preta, Guarani, São Paulo, Portuguesa, Corinthians ou América de Rio Preto, times que dirigiu, sempre com brilhantismo, assim como havia feito no Gazeta.
Campos para todo lado – Décadas de 1950 e 1960, sete ou oito campos de futebol de várzea ficavam lotados, a cada manhã de domingo ou nos feriados. No campo do Cruzeiro, atrás da Igreja de Santo Antonio, na avenida da Saudade, tinha lista de espera. Às 7 horas um time se inscrevia para poder jogar durante o dia. Os jogos eram seguidos, sem intervalo, para todo mundo participar.
O campo do Leônidas, no Botafogo, campinhos no Bela Vista, Taquaral, do Ipiranga atrás do São Jorge. O campo do Colégio Diocesano, onde o próprio Zaiman batia uma bolinha. O campo do Cesário, onde Paulo Leão comneçou, antes de jogar no Guarani, Palmeiras, América do Rio, Botafogo de Ribeirão Preto, Ponte Preta e Francana. O Paulo Leão que fez cinco gols em 16 minutos pelo Guarani, garantindo uma virada contra o Taubaté.
Futebol no colégio – As décadas de 1950 e 1960 também foram os anos de grandes times de futebol de colégios, que disputavam agitados torneios. Em Campinas, o Colégio Diocesano, o Liceu Salesiano e o Ateneu foram alguns que tinham times importantes, que sempre disputavam títulos.
Craques para todo canto – A Vila Industrial, primeiro bairro operário de Campinas, é um celeiro de craques, que apareciam por todo canto, nos vários campinhos. Foi o berço de Antonio Francisco, o Nininho (1920-1997), centroavante mágico, da Ponte Preta, da Portuguesa de Desportos e da Seleção Brasileira. Mas nasceu no Campinas Futebol Clube, da Vila Industrial, antes de jogar com Julinho Botelho, Renato, Pinga e Simão, naquele que para muitos é o melhor ataque da Lusa da história. Na Seleção, foi tri-campeão sulamericano em 1949, quando atuou no impressionante jogo a 10 de abril no Pacaembu com a Bolívia, vencido pelo Brasil por 10 a 1, com três gols do campineiro. Depois de jogar na Ponte, fez alguns jogos, no final de carreira, pelo Catanduva Esporte Clube, onde também era conhecido como “Jacaré”.
Outro jogo histórico foi a vitória de 3 a 0 da Ponte, em pleno derby” de inauguração do Estádio Brinco de Ouro, do Guarani, a 7 de junho de 1953. Nininho marcou um dos gols, ao lado de Pitico e Noca. Ciasca, da Ponte, pegou dois pênaltis. Nininho abriu uma bicicletaria na rua Salles de Oliveira e ria muito. Feliz da vida na Vila.
Mais craques da Vila – Um nome da Vila que jogou futebol é Dorival Geraldo dos Santos, o garoto de ouro do Guarani de 1950. Outro craque da Vila Industrial é o Silas, que jogou no Ipiranga, Fluminense, Comercial de Ribeirão Preto, além da Ponte Preta. Ponta direita daqueles, de ir à linha de fundo e cruzar com precisão. Depois de deixar o futebol, foi sapateiro por muitos anos, atrás do Palácio da Justiça.
O centro-médio Antenor Lucas, o Brandãozinho (1925-2000), é outro craque ilustre da Vila Industrial. Jogou na Portuguesa Santista até 1948, mas foi na outra Lusa, a do Canindé, que se destacou e chegou à Seleção Brasileira.
Na Portuguesa de Desportos, a chegada de Brandãozinho levou a uma das mais importantes mudanças de posição na história do futebol brasileiro, pois, com a sua transferência, ninguém menos que Djalma Santos foi deslocado para a lateral-direita, onde se tornou um dos maiores, senão o maior, do mundo. A Lusa era impossível naquela época. Faturou os Torneios Rio-São Palo de 1952 e 1955 e cedeu sete jogadores para a Seleção. Brandãozinho jogou na Copa do Mundo de 1954, na Suíça, com Castilho, Djalma Santos, Nilton Santos e Julinho, entre outros. Trabalhou no DETRAN e foi investigador de polícia.
Canto do Túnel – O radialista Sérgio José Salvucci todos dias atravessava o túnel da Vila Industrial (lugar “mal assombrado”, o túnel, segundo alguns poucos), um lugar romântico, de jogos de várzea nos campos do Leônidas, do Cruzeiro, Ipiranga e Canto do Túnel. Era uma homenagem ao túnel que liga a Vila ao Centro, os vilenses ao mundo. Salvucci dizia: “Torço para a Ponte Preta e Canto do Tùnel”. Mais uma marca registrada da Vila Industrial, a várzea das águas, do pó e das chuteiras.
(Histórias extraídas do livro “Campinas, meu amor”, de Helton Pimenta e José Pedro S.Martins, a partir das histórias saborosas de Zaiman de Brito Franco, um dos maiores conhecedores da alma, das ruas, do povo de Campinas.)