Campinas, ou parte dela, amanheceu estarrecida nesta terça-feira, 5 de setembro de 2017, com a decisão da Câmara Municipal, que aprovou em primeira votação o projeto conhecido como o da Escola Sem Partido. Outra votação pode acontecer a partir da próxima semana, sobre o mérito da proposta, que, entre outras medidas, quer impedir os professores de “incentivar os alunos a participarem de manifestações” e de “se aproveitar da audiência cativa dos alunos” para “promoverem seus próprios interesses, opiniões, concepções ou preferências ideológicas”.
Claro que se trata de uma ação em sintonia com a onda neoconservadora que vem sendo observada não apenas no país, mas em todo planeta. Uma onda neoconservadora manifesta, explícita, que perdeu o acanhamento de se mostrar, pois na realidade o conservadorismo continua e firme. Um projeto com esse perfil nem deveria provocar tanto espanto, considerando que ele está em harmonia com a mentalidade da contrarreforma que “fundou” o Brasil e que de vez em quando retorna, com força total.
Na prática, a Escola Sem Partido é uma falácia. Não existe educação (e nem comunicação) neutra e nem nunca houve. Sempre os projetos educativos foram balizados por ideias mais ou menos avançadas ou retrógradas, depende da mentalidade do agente educador por excelência, o professor. É ele, o professor, no cotidiano, o mediador e o fomentador.
Nesse sentido a Escola Sem Partido nunca acontecerá no real, no concreto, no chão da sala de aula. Continuará sendo implementada a Educação que o educador estiver preparado para impulsionar. E tudo indica que os novos ventos educacionais é que estão movendo vontades e interesses dos profissionais do setor, que não serão abalados por determinações burocráticas e/ou de cunho ideológico. Sim, por que o projeto que pretende libertar a Educação de amarras ideológicas é essencialmente ideológico.
Mas é de qualquer modo lamentável que uma cidade como Campinas, historicamente aberta à inovação, ao futuro, continue espelhando e consagrando, no corpo da lei, pensamentos ultrapassados, desconexos com os desafios contemporâneos. A Câmara poderia estar, pelo contrário, ecoando os debates mais relevantes em curso na área educacional. Entre eles, o da urgente necessidade de reformulação de métodos e conceitos em ensino e aprendizagem tradicionais, que soam sem sentido para a grande maioria dos alunos cada vez mais antenados no mundo digital.
Atualmente a comunidade educacional brasileira também está muito atenta à discussão sobre a Base Nacional Comum Curricular, essa sim outra reflexão que poderia encontrar maior espaço no Legislativo de uma cidade que sedia importante polo universitário. Pois é: Campinas tem importantes universidades, mas a educação básica tem a qualidade que poderia? E a educação infantil local, de fato está à altura da magnitude de Campinas? Estas, sim, são perguntas que deveriam incomodar os vereadores, ou a maioria deles.
A Campinas que deveria estar sempre na agenda é aquela que pensa grande, global, o amanhã. É aquela que receberá, entre 14 e 24 de setembro, a Bienal SESC de Dança, com suas atrações nacionais e internacionais e que pretende “apresentar ao público um panorama diversificado da produção artística e do pensamento sobre a linguagem” por meio de uma ampla gama de atividades. Ou aquela que, no dia 16 de setembro, sábado, sedia (na Biblioteca Municipal “Ernesto Manoel Zink”) a segunda edição da Feira SUB de Arte Impressa e Publicações Independentes, com a participação de criadores de vários estados. Ou aquela que tem uma artista como Vera Ferro, atualmente com uma exposição dedicada a um dos temas mais universais do momento, o dos refugiados. Ou aquela que tem vários artistas se destacando no Salão Internacional do Humor de Piracicaba, um dos maiores, senão o maior, do gênero no mundo.
Ainda bem que exemplos não faltam, agora mesmo, da Campinas que brilha, toda vez que ousa superar os limites da província (no mal sentido, pois existe a província boa e que deve ser valorizada). Tomara seja esta a cidade que vai prevalecer, em futuro não muito distante.