A notícia de que Ignácio de Loyola Brandão chegou à Academia Brasileira de Letras teve o destaque costumeiro na imprensa, mas acho que um aspecto passou meio desapercebido, considerando o contexto em que todos estamos imersos. A instituição que é símbolo da tradição literária-cultural tupiniquim recebe o autor de Zero, Não verás país nenhum e outras obras que são pura distopia. O país que já foi a utopia pura para idealistas europeus transformado em inferno pelas mãos de oligarquias que teimam em queimar os dedos para não perder o poder.
Claro que a literatura brasileira é a soma da esperança e do desencanto. Não são apenas rosas, mas muitos espinhos machucando a carne viva do nosso povo. A narrativa Brasil é cheia de dor e barbárie, com muitos episódios de luz entre labirintos. Mas é sintomático que, no atual momento da vida nacional, de tanto desalento e espanto com o que já era esperado, mas não tanto, o autor distópico por excelência seja o próximo a participar do lendário chá da tarde dos acadêmicos. Será só lenda?
O Brasil de abril de 2019 é uma confusão só. Nem o mais pessimista esperava tanto horror nas altas esferas de Brasília. O oráculo da ignorância definindo rumos do país. O atraso, o atraso, dominando as políticas públicas. E alguma reação, aqui e ali, insuficiente para barrar tanto retrocesso.
“Passou o dia disfarçando a mão entre os papéis. Não queria que os colegas o vissem. Eles não tinham furo na mão”. O drama do protagonista de O homem do furo na mão, outra obra distópica de Brandão. Pois a cada dia estamos sentindo um furo no coração. Logo não dará para disfarçar.