Seca no Nordeste, uma das  imagens mais presentes na distopia brasileira (Foto Adriano Rosa)
Seca no Nordeste, uma das imagens mais presentes na distopia brasileira (Foto Adriano Rosa)

A distopia chega à Academia Brasileira de Letras

A notícia de que Ignácio de Loyola Brandão chegou à Academia Brasileira de Letras teve o destaque costumeiro na imprensa, mas acho que um aspecto passou meio desapercebido, considerando o contexto em que todos estamos imersos. A instituição que é símbolo da tradição literária-cultural tupiniquim recebe o autor de Zero, Não verás país nenhum e outras obras que são pura distopia. O país que já foi a utopia pura para idealistas europeus transformado em inferno pelas mãos de oligarquias que teimam em queimar os dedos para não perder o poder.

Claro que a literatura brasileira é a soma da esperança e do desencanto. Não são apenas rosas, mas muitos espinhos machucando a carne viva do nosso povo. A narrativa Brasil é cheia de dor e barbárie, com muitos episódios de luz entre labirintos. Mas é sintomático que, no atual momento da vida nacional, de tanto desalento e espanto com o que já era esperado, mas não tanto, o autor distópico por excelência seja o próximo a participar do lendário chá da tarde dos acadêmicos. Será só lenda?

O Brasil de abril de 2019 é uma confusão só. Nem o mais pessimista esperava tanto horror nas altas esferas de Brasília. O oráculo da ignorância definindo rumos do país. O atraso, o atraso, dominando as políticas públicas. E alguma reação, aqui e ali, insuficiente para barrar tanto retrocesso.

“Passou o dia disfarçando a mão entre os papéis. Não queria que os colegas o vissem. Eles não tinham furo na mão”. O drama do protagonista de O homem do furo na mão, outra obra distópica de Brandão. Pois a cada dia estamos sentindo um furo no coração. Logo não dará para disfarçar.

Sobre José Pedro Soares Martins

Mineiro nascido com gosto de café e pão de queijo, ama escrever pois lhe encantam os labirintos, os segredos e o fascínio da vida traduzidos em letras.

Check Also

Rio Piracicaba em agosto de 2014: sinal de alerta em toda a região para mudanças climáticas (Foto José Pedro Martins)

História do rio Piracicaba em obra coletiva é o meu livro número 15

“Rio Piracicaba: Vida, Degradação e Renascimento”, lançado em 1998 (IQUAL Editora), é o livro número …