Os sinais de que as mudanças climáticas estão impulsionando transformações profundas e mais rápidas do que se imaginava, pondo em risco a segurança global, levaram a um número recorde de assinaturas ao Acordo de Paris na última sexta-feira, 22 de abril, Dia da Mãe Terra. Contudo, a grande parte da imprensa brasileira, mais preocupada em apressar o processo de impeachment da Dilma Rousseff, esteve especialmente focada é no que a presidente iria falar sobre esse imbróglio na sede das Nações Unidas, e não no assunto principal: que a humanidade passa por sérias ameaças, e que se as medidas necessárias também não forem aceleradas, catástrofes de origem climática serão multiplicadas e a curto prazo.
Durante muito tempo os cientistas, alguns deles ligados ao Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), afirmaram que, se a concentração de carbono na atmosfera alcançasse 400 partes por milhão (ppm), seria praticamente impossível deter a escalada das mudanças climáticas de origem humana, com efeitos imprevisíveis no planeta. Pois bem, esse limite acaba de ser ultrapassado, no último mês de fevereiro, com o registro pela NOAA de 403,28 ppm, contra 399,88 ppm no mesmo mês de 2015.
De acordo com as medições da NOAA, o incremento de 3 ppm em 2015 na concentração de carbono na atmosfera é o maior aumento anual desde 1959, quando a mensuração pela agência norteamericana começou a ser feita. A concentração de carbono na atmosfera, em função das emissões atmosféricas de origem humana, particularmente pelo uso intensivo de combustíveis fósseis como carvão, petróleo e gás, tem origem histórica e é cumulativa. É essa concentração que tem elevado a temperatura média global, porque os gases acumulados na atmosfera formam uma espécie de “cobertor” sobre o planeta, impedindo que a energia – e portanto o calor – enviada pelo sol se dissipe no espaço.
Os alertas do IPCC são no sentido de que o aumento médio da temperatura planetária acima de 2 graus até o final do século 21 trará resultados ainda inimagináveis. Esta foi a motivação para que fosse finalmente aprovado o Acordo de Paris, na Conferência do Clima (COP-21) do final de 2015 na capital francesa então ainda sob os impactos dos atos terroristas. Agora o Acordo de Paris recebeu um número recorde de assinaturas (174 países mais a União Europeia) na última sexta-feira, na sede da ONU, em Nova York.
Ainda que o Acordo de Paris não seja o ideal, o sentido de urgência é verificado porque os efeitos das mudanças climáticas, e portanto da concentração de carbono na atmosfera, são cada vez mais evidentes e estão se acumulando. De acordo com o Centro Nacional de Dados sobre Neve e Gelo dos Estados Unidos, o valor da extensão máxima da camada de gelo marinho no Ártico (Polo Norte), documentado em março de 2016, foi o mais baixo da história pelo segundo ano consecutivo. Na semana de 11 de março, aconteceu uma fusão da camada de gelo da Groenlândia, também por causa do inverno mais quente que o usual, conforme o Instituto Meteorológico da Dinamarca.
Também no início de 2016, segundo a Organização Meteorológica Mundial (OMM), houve um “branqueamento” recorde dos recifes de coral na Grande Barreira da Austrália, causado pela maior temperatura do Oceano Pacífico. E a seca segue, por outro lado, devastadora e com cortes de energia elétrica em grande parte da África e muitas regiões da América do Sul, e particularmente nos nossos vizinhos Argentina, Uruguai e Paraguai. O calor enorme de abril na Região Sudeste do Brasil também pode ser efeito dessas mudanças que estão acontecendo em um ritmo cada vez maior e ameaçador.
Tudo isso levou a que o conjunto da comunidade internacional estivesse em peso na sede da ONU no Dia da Mãe Terra, como é celebrado o dia 22 de abril há alguns anos. Mas a maior parcela da imprensa brasileira esteve mais preocupada com o que a presidente Dilma iria falar ou não sobre o processo de impeachment. No final, ao contrário do que essa imprensa tinha afirmado, a presidente não falou as palavras “impeachment” ou “golpe”, limitando-se a citar o “grave momento” que o Brasil atravessa – discurso que inclusive frustrou muitos que são contrários ao processo de impeachment liderado pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha, réu em vários processos. Sim, a questão do Acordo e Paris foi de algum modo abordada, sem o destaque necessário, mas é por essas e outras que parte dessa imprensa vem perdendo credibilidade, ao mesmo tempo em que avança a força das redes sociais e de outros canais alternativos de comunicação e informação.