A política e a poesia são demais para o mesmo homem, sentenciou Glauber Rocha em “Terra em Transe”, como uma homenagem a Mário Faustino e sua “Balada” (“Tanta violência, mas tanta ternura”). O doce e crítico, essencialmente crítico Antonio Candido, que nos deixou hoje, 12 de maio de 2017, conseguiu esta proeza para poucos. Era poesia pura mas também política, em seu sentido mais belo, humano e inteligente. E ele deixa um legado imenso para o Brasil todo, além de lições especiais para Campinas, que lhe deve muito.
De sólida formação marxista, Candido não se limitou à crítica social panfletária. Pelo contrário, alcançou a simpatia e o respeito generalizados, inclusive entre intelectuais mais à direita, pela sua impressionante gentileza, a profundidade e amplitude de suas análises e pelo seu amor profundo pelo Brasil e América Latina em geral, assim ele deixou claro em ensaios definitivos, como “Literatura e subdesenvolvimento”.
Publicado em 1969, no auge da ditadura militar, este texto fez uma arqueologia das mazelas históricas brasileiras e latino-americanas, o analfabetismo e o obscurantismo das elites entre elas. Denunciou, igualmente, a dependência da intelectualidade latino-americana dos modelos estrangeiros, sobretudo os europeus, e louvou os esforços de escritores que tentaram, e conseguiram, fugir dessa camisa de força cultural, que ainda nos atormenta e aprisiona, com a diferença de que, antes, a referência era a França e, hoje, os Estados Unidos. Uma enorme diferença, mas esta é outra história.
Borges e Cortázar, na Argentina, Vargas Llosa, no Peru, e os brasileiríssimos Guimarães Rosa e Clarice Lispector são, para Candido, emblemas de uma literatura universalizante, mesmo que com profundas raízes latino-americanas. Para o crítico literário que marcou o pensamento brasileiro do século 20, estes são exemplos do potencial e do vigor do continente sofrido e pulsante, que antes, no amanhecer dos “descobrimentos”, era visto como terra de possíveis e eternas delícias mas, no decorrer dos tempos, se revelou espaço de injustiças e opressão por excelência.
Pois Candido, ternura até no nome, nunca violência, nos deixa em momento especialmente dramático para o Brasil. Fundador do PT, sempre à esquerda no espectro político, ele tinha a simpatia dos opositores porque argumentava em alto nível, sempre visando o bem público, comunitário. Era a encarnação do ideal democrático e republicano.
É tudo o que estamos precisando agora. Não há mais debate de excelência, há ódio. Não mais discussão equilibrada, mas imposição de ideias. O Brasil ainda vai demorar muito para voltar, se é que vai conseguir, a um ritmo mais equilibrado, e se quiser isso tem que se espelhar na vida e obra de pessoas como Antonio Candido de Mello e Souza.
A sua herança para o país é imensa, mas também deixa aprendizados importantíssimos para Campinas. Ele é o fundador e primeiro diretor do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Unicamp e, como tal, participou desse grande sonho que é a Universidade Estadual de Campinas. Exemplo do potencial de inteligência, do pensar grande, que a cidade tem. Infelizmente esse potencial às vezes fica deturpado, e é aqui e ali amputado, pela prevalência de interesses de grupos pequenos, mas poderosos, sobre o que desejam e para o qual trabalham a maioria da população e da sociedade.
A Unicamp é a Campinas que brilha, embora a própria Universidade atue no sentido contrário, quando ela se fecha sobre si mesma. A Campinas que é generosa, que projeta o futuro, quer falar alto. Candido é um desses brasileiros que, atuando na cidade, comungou dessa utopia que precisa ser urgentemente resgatada e vivida no chão e no calor do dia a dia, para o bem de Campinas e do Brasil todo. Obrigado mestre!
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