(Foto StockSnap_Creativecommons)
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O que você tem na cabeça para ouvir isso?

Andre_PB_400x400Quando eu era adolescente, eu gostava muito de ouvir Velhas Virgens e, sob o trecho de uma de suas mais famosas músicas “Abre essas pernas pra mim, baby, Tô cansado de esperar”, minha mãe me dizia indignada: “O que você tem na cabeça para ouvir isso?”.

Hoje, alguns anos depois, diante de trechos como “A novinha fica de quatro que eu vou te tacar o peru”, sou bem capaz de dizer o mesmo: “Mas, o que fulano tem na cabeça para ouvir isso?”.

A música é um constituinte integral no dia a dia de qualquer pessoa. Ouvimos músicas por vários propósitos, como o emocional, ou para expressar nossa própria identidade. Música atrai fortemente as pessoas devido a sua força em induzir estados prazerosos e constitui parte integrante da vida humana ao longo de sua história evolutiva. Muitos pesquisadores defendem que o homem, antes de estabelecer uma gramática linguística, utilizava ritmos e entonações vocais para se expressar.

Os hormônios influenciam nas preferências musicais de cada um? (Foto Arquivo Pessoal)
Os hormônios influenciam nas preferências musicais de cada um? (Foto Arquivo Pessoal)

As pessoas possuem uma grande variedade de preferências musicais, no entanto essas diferenças ainda não são completamente entendidas. Muitos estudos fazem correlações de preferências em certos estilos musicais com personalidades pessoais, mas devemos tomar cuidado em não cair em estereótipos.

Claro que seria um tanto quanto difícil entender isso diante da diversidade humana, afinal como explicar em palavras o porquê de se gostar de determinada música?

“Você gosta de Nutella?

Sim, eu gosto.

Por que?

Vixe… sei lá é algo que gosto”.

Cientistas japoneses descobriram que existe uma forte ligação com o nível de testosterona nas pessoas e suas preferências musicais, pelo menos para os homens. Esse trabalho mostrou, pela primeira vez, evidências baseadas em análises químicas com algo subjetivo como gostos musicais.

A testosterona é um dos principais hormônios masculinos. Além de ele estar presente nas mulheres, é no homem que ele está em maior quantidade, e é responsável pelo desenvolvimento dos tecidos reprodutores como testículos e próstata. A testosterona está ligada em alguns aspectos da personalidade como comportamento extrovertido, além de afetar áreas no cérebro, responsáveis por experiências recompensadoras.

Pesquisadores escolheram aleatoriamente 76 voluntários sendo 37 homens e 39 mulheres. Cada voluntário ouvia 15 segundos de trechos musicais, eles tinham de avaliar o quanto gostavam ou não de cada uma delas. Após, foi coletada saliva de cada um dos participantes para analisar a concentração de testosterona.

Eles descobriram que homens que tinham uma alta concentração de testosterona tendiam a gostar de músicas que os pesquisadores classificaram como “não sofisticadas” e aqueles que tinham níveis baixos de testosterona tendiam a gostar de músicas “sofisticadas”. Essas correlações não foram encontradas em mulheres.

Mas, será que o sertanejo que você adora seria uma música sofisticada? Bem, o nível de sofisticação aqui é diferente, talvez você esteja tentado a colocar classes sociais e nível educacional, mas não é isso.

Bruna Viola (Foto Arquivo Pessoal)
Bruna Viola (Foto Arquivo Pessoal)

Três estudos independentes envolvendo preferências musicais sugeriram que existe uma estrutura de cinco fatores e esses fatores refletem, principalmente, em respostas emocionais e afetivas a música. Pesquisadores interpretam esses fatores como:

1-         Fator maduro que compreende estilos suaves e relaxantes;

2-         Um fator urbano, definido em grande parte pela música rítmica e percussiva;

3-         Um fator sofisticado que inclui clássica, ópera, world music e jazz;

4-         Um fator intenso definido por música alta, vigorosa e energética;

5-         Um fator rústico, que compreende uma variedade de estilos diferentes o chamado “rootsy music”*, como as encontradas frequentemente em cantores-compositores e country.

Esta descoberta foi publicada na revista científica “Personality and individual differences”.

Independente do que diz a biologia ou a química, o ambiente social, a educação e a influência de amigos e família exercem um papel importante nessas escolhas; a testosterona é, provavelmente, um pequeno aspecto que ajuda a constituir essas preferências musicais. Aqui deixo uma reflexão: em que grau um traço fisiológico (utilizando como exemplo a concentração de testosterona) pode confrontar o poder da cultura e dos meios midiáticos?

Este texto foi escrito com sugestões e comentários do prof. Dr. Ricieri Zorzal do Departamento de Artes · ENSAIO – Grupo de Pesquisa em Ensino e Aprendizagem da Performance Musical da Universidade Federal do Maranhão.

Quem quiser saber mais sobre este trabalho “Negative correlation between salivary testosterone concentration and preference for sophisticated music in males” ele pode ser encontrado no site da revista “Personality and Individual Differences” http://doi.org/ch78

  1. As músicas utilizadas neste trabalho (Sound Files for Study 3)  podem ser encontradas no seguinte link

http://daniellevitin.com/levitinlab/LabWebsite/expsupport/MUSIC/Rentfrow_JPSP_Index.html

  1. O trabalho não envolveu análise das letras, portanto os trechos das músicas no texto foram puramente ilustrativas e não devem ser classificadas como “sofisticadas” ou “não sofisticadas”.
  2. Rootsy music, seria a chamado música raiz, mostrando origens tradicionais ou etnias de um grupo social.

 

 

Sobre André Sarria

Os certificados e papéis dizem que eu sou cientista, mas prefiro ser mais um "escutador" da natureza do que cientista. A natureza fala e eu a traduzo em linguagem de gente. Nasci em Cajobi e trabalhei em Londres como Pesquisador no Rothamsted Research. Atualmente moro em Madrid onde sou Diretor de Pesquisa e Desenvolvimento em uma empresa Europeia de agricultura.

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Um comentário

  1. Heyttor Barsalini

    Bastante específica mas curiosa essa pesquisa. E vem de encontro a uma coisa em que creio: somos muito mais “bichos” do que pensamos ou pretendemos ser. E a pergunta que encerra o texto é instigante. Talvez nossos traços fisiológicos, antes de confrontar o poder da cultura e da mídia, sejam o ponto de partida dos movimentos humanos…