“Curumim” repassa a história de Marco Archer, executado em 2015 na Indonésia, aos 53 anos, por tráfico de drogas
“Curumim” repassa a história de Marco Archer, executado em 2015 na Indonésia, aos 53 anos, por tráfico de drogas

Nem mártir, nem herói: a história de “Curumim”, o carioca executado na Indonésia

DaniPrandi_0188c_500“Curumim”, documentário que repassa a trágica história de Marco Archer, brasileiro condenado à morte por tráfico de cocaína na Indonésia em 2004 e executado em 2015, aos 53 anos, por fuzilamento, conta com um grande trunfo: não toma partido. Com dois temas tão polêmicos de fundo – drogas e pena de morte – o documentário não suaviza o personagem e muito menos adota um discurso pronto. Curumim, como era conhecido, não é herói, nem muito menos mártir.

Apresentado no Festival de Berlim no início do ano, o filme tem rodado festivais e acaba de chegar ao cinema. Foi o próprio Archer quem encomendou o trabalho para o documentarista Marcos Prado, o mesmo do belíssimo “Estamira” e do filme de ficção “Paraísos Artificiais”, também sobre o mundo das drogas.

A montagem é primorosa, com cenas gravadas na prisão de segurança máxima com uma câmera que o próprio documentado tratou de contrabandear para dentro de sua cela. O carioca Archer sempre acreditou que sairia vivo dessa história e, nas gravações, alterna momentos de bom humor com outros de pura agonia. Foram mais de dez anos no corredor da morte, sempre acreditando que, com suborno, iria se safar.

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Condenado em 2004 e executado em 2015, na Indonésia, o carioca Archer acreditou que sairia vivo

O documentário monta seu retrato a partir de imagens de época, fotografias, cartas e depoimentos para apresentar o perfil do carioca, um típico “menino do Rio” bem-nascido que se destacou no voo livre e chegou a integrar a seleção brasileira. Archer era de família rica, criado por babás, que desde muito cedo usava drogas com os amigos de praia, sempre mais velhos do que ele (é daí que veio o apelido de “Curumim”).

O dinheiro fácil do tráfico logo o conquistou e, em uma época de sua vida, chegou a vender cocaína nos Estados Unidos após conhecer homens do bando de Pablo Escobar. Tempos depois, na Europa, montou sua própria rede para traficar skank, um derivado da maconha muito mais poderoso, e ganhou muito dinheiro. A certa altura do documentário, Archer lida com as panelas e o fogão improvisado em sua cela, que dividia com terroristas islâmicos, e lembra que chegou a se formar chef de cozinha em uma das mais respeitadas escolas de gastronomia da Suíça.

A agonia da mãe, que tentou de muitas maneiras o tirar da prisão, os esforços do governo brasileiro, nada o livrou da pena por fuzilamento. É de arrepiar a sequência na qual, enfim, chega a hora, quando é revelado o ritual de amarrar o condenado a uma cadeira, marcar um X no coração para que os soldados tenham a mira e, enfim, ouvir o som das armas sendo disparadas.

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Antes da execução, o próprio Marcos Archer encomendou o trabalho para o documentarista Marcos Prado

Archer sempre teve talento para voar e chegou a ser instrutor de asa-delta no Rio de Janeiro. Mas um dia os ventos o traíram e ele sofreu um grave acidente em Bali. Ficou mais de três meses internado e acumulou uma conta estratosférica no hospital. Como não tinha dinheiro para pagar, resolveu fazer o que sempre tinha feito: levantar o valor traficando. Com 13,4 quilos de cocaína escondidos nos tubos da asa-delta tentou entrar em Jacarta, mas foi descoberto. Antes de ser preso empreendeu uma fuga espetacular de três dias, que ganhou a capa dos jornais da Indonésia. Ali selaria seu destino já que, com tanta repercussão, seria praticamente impossível subornar a polícia para aliviar sua história.

Durante o documentário é apresentado um italiano, amigo de Archer, que foi preso traficando cocaína para levantar dinheiro para o ajudar a sair da prisão. O italiano conseguiu subornar o sistema e escapou da pena de morte. Hoje, já em liberdade, é mostrado com sua família. Durante seu depoimento vemos o quanto lamenta a morte do companheiro. Outros depoimentos se seguem, de amigos que se alternam entre os sentimentos de esperança e desesperança pelo seu destino. O próprio diretor chegou a pensar em não lançar o filme após a morte de seu retratado que, dois dias antes da execução, ainda acreditava que iria se livrar da pena.

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Sobre Daniela Prandi

Daniela Prandi, paulista, jornalista, fanática por cinema, vai do pop ao cult mas não passa nem perto de filmes de terror. Louca por livros, gibis, arte, poesia e tudo o mais que mexa com as palavras em movimento, vive cada sessão de cinema como se fosse a última.

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