Sessão do Tribunal Permanente dos Povos em setembro de 1988 em Berlim (Foto José Pedro Soares Martins)
Sessão do Tribunal Permanente dos Povos em setembro de 1988 em Berlim (Foto José Pedro Soares Martins)

Como será a economia mundial depois da pandemia

Companhias aéreas em pânico. Em um mês, mais de 20 milhões de norte-americanos perderam o emprego. No Brasil, o tamanho da catástrofe ainda está longe de ser mensurado. Além das perguntas principais, sobre como o planeta continuará enfrentando a pandemia em termos médicos, e sobre quando chegarão a vacina e o tratamento mais eficiente, uma indagação que já escurece o horizonte é a respeito da economia planetária depois, ou com, a COVID-19. Não posso deixar de lembrar, nesse momento, dois eventos que cobri em setembro de 1988 em Berlim Ocidental: a reunião anual do FMI-Banco Mundial e o Tribunal Permanente dos Povos, que avaliou justamente as políticas dessas duas instituições. Mas o que dois fatos tão distantes têm a ver com a pandemia?

A sessão do Tribunal Lélio Basso/Tribunal Permanente dos Povos, na Universidade Livre de Berlim, julgava (e “condenou”) “os crimes do Banco Mundial e FMI contra o Terceiro Mundo”. As ruas de Berlim estavam repletas de ativistas, muitos com o rosto coberto – eram militantes de grupos anarquistas de ação direta, não exatamente adorados pelos policiais alemães, que também enchiam as vias públicas.

Prévia dos movimentos anti-globalização (Foto José Pedro S.Martins)
Prévia dos movimentos anti-globalização (Foto José Pedro S.Martins)

Organizações de todo mundo estavam lá, para participar da sessão do Tribunal e outras atividades paralelas à reunião anual do Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco Mundial. Grupos anti-racistas da África, de indígenas latino-americanos e asiáticos, os verdes alemães, as feministas de vários países europeus se misturavam, em clara avant-première do que ocorreria anos depois com o Fórum Social Mundial de Porto Alegre.

Estava ali, nas esquinas da cidade que mais simbolizou a corrida armamentista, a divisão Leste/Oeste, a separação comunismo/capitalismo, a gênese do que anos depois seria batizado de movimentos anti-globalização. E eu estava lá, ainda um jovem repórter, entusiasmado de curiosidade.

O pedacinho de Brasil estava ali, na bandeira do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), que surgiu de repente, no meio daquela miríade de cores, idéias e emoções. Nem se imaginava que aquela reunião planetária – uma prévia do Fórum Global, realizado durante a Eco-92 em junho de 1992, no Rio de Janeiro – seria a última grande manifestação internacional antes da queda do Muro de Berlim, o episódio que mudou a cara do mundo e instalou uma nova ordem planetária.

Estava evidente nas ruas, praças, avenidas e universidades de Berlim o antagonismo, a distância entre as instituições dominantes da economia mundial e o que desejavam aqueles jovens ou não muito jovens de todas as partes do planeta. Um diálogo difícil, naquela altura impossível, que se acentuou ainda mais nos anos e décadas seguintes.

A globalização se acelerou, com a ajuda da Internet e outras ferramentas da comunicação, as viagens de avião foram multiplicadas por mil, a China pouco a pouco, com a paciência confuciana, se aproximando dos EUA, e a Europa se complicando com a xenofobia e o nacionalismo ressurgente. A desigualdade cresceu, como mostraram dados e mais dados das próprias fontes oficiais. Nunca tão poucos ganhando tanto dinheiro.

E explodiu a questão ambiental, liderada pela preocupação com as mudanças climáticas. Mais críticas em relação ao modelo econômico que vinha imperando.

Mas então vieram algumas pontes, ou tentativa de. As reuniões do Fórum Econômico Mundial, em Davos, antes totalmente dominadas pela presença da elite econômica e política, aos poucos recebendo a participação de representantes das mais importantes organizações não-governamentais.

Aparato nas ruas de Berlim, um ano antes da queda do muro (Foto José Pedro S.Martins)
Aparato nas ruas de Berlim, um ano antes da queda do muro (Foto José Pedro S.Martins)

Nas conferências do clima e outros encontros das Nações Unidas, além da participação oficial, de governantes e diplomatas, a crescente presença, de novo, das ONGs e dos movimentos populares.

Sim, ainda há algum vácuo entre o que pensam e anseiam a cidadania e o que fazem as organizações financeiras e empresas dominantes. Mas há claros avanços na conversa, em tentativas de entendimento. Com o império das mídias sociais, que podem arrasar em poucos minutos a reputação de uma empresa que aceita o trabalho escravo ou contribui para destruir as florestas, há uma maior preocupação empresarial com o impacto de suas ações. Muitas delas passaram a investir pesado em educação, meio ambiente e outras áreas.

Mas e com a pandemia, o que muda? São muitas as especulações no momento. Os mais pessimistas entendem que haverá um endurecimento das fronteiras, déspotas poderão proliferar. Os mais otimistas, que poderá acontecer um renascimento da solidariedade, da ética, com vislumbres de um mundo com cada vez menos combustíveis fósseis.

Particularmente considero todas previsões muito precoces. Com as informações disponíveis até agora, entendo ser impossível prever qualquer coisa.

Claro, os Estados Unidos sairão muito machucados dessa, mas continuarão sendo muito fortes. A China, idem. Incógnita em relação à Europa.

Uma coisa é certa, na minha visão. Aquelas pontes que não via em setembro de 1988 em Berlim precisarão ficar muito mais sólidas. Os diálogos terão que acontecer de modo muito mais rápido, abrangente e eficaz. Sob pena de todos ficarem muito próximos do abismo.

 

Sobre José Pedro Soares Martins

Mineiro nascido com gosto de café e pão de queijo, ama escrever pois lhe encantam os labirintos, os segredos e o fascínio da vida traduzidos em letras.

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