“Maraviglioso Boccaccio”, filme livremente baseado em Decamerão pelos irmãos italianos Paolo e Vittorio Taviani,  foi exibido no Festival do Rio do ano passado e chega agora ao circuito      Fotos: Divulgação
“Maraviglioso Boccaccio”, filme livremente baseado em Decamerão pelos irmãos italianos Paolo e Vittorio Taviani, foi exibido no Festival do Rio do ano passado e chega agora ao circuito Fotos: Divulgação

Maravilhoso (mesmo!) Boccaccio

DaniPrandi_0188c_500Cores estonteantes enchem a telona em “Maraviglioso Boccaccio”, filme dos irmãos italianos Paolo e Vittorio Taviani que tive o prazer de conferir em sessão para jornalistas. Digo prazer porque o “maravilhoso” do título não é exagero. O filme, que foi exibido no Festival do Rio do ano passado e chega agora ao circuito, é livremente baseado em Decamerão e se equilibra entre a vida e a morte enquanto escancara as belezas da Toscana e, por que não?, da própria Itália e de seu povo.

Vale lembrar que Decamerão é uma coleção que reúne cem narrativas escritas por Giovanni Boccaccio entre 1348 e 1353. Os textos são considerados um marco da literatura por seu realismo, numa época em que a religiosidade ditava o encadeamento das palavras.

Os irmãos Taviani escolheram cinco histórias para o filme, ambientado na Florença do século 14, quando a peste negra dizimava a população. Com um toque teatral, música pulsante de violinos em momentos certeiros, e cenários deslumbrantes, o filme acompanha a fuga de um grupo de jovens que se abriga em uma casa na zona rural para tentar escapar da peste. São sete garotas e três rapazes, todos no auge da juventude e da beleza. Para que não se crie desavenças, instala-se um pacto de castidade (nem sempre respeitado). E, como não há muito a fazer, combina-se contar histórias para passar o tempo.

Com poesia, humor, drama e as tais cores estonteantes, encadeiam as histórias de uma maneira que, no final, o que fica é a singeleza do pensamento de que o amor é o que nos salva
Com poesia, humor e drama, o que fica no encadeamento das histórias é que o amor é o que nos salva

 

O Decamerão dos Taviani é bem diferente do filmado por Pier Paolo Pasolini nos anos 1970, talvez a principal referência cinéfila da obra. As histórias de amor e sexo continuam lá, mas o clima é bem mais pudico. Não há exageros, nem crueza, há sim romance. Os Taviani de filmes memoráveis como “Pai Patrão” e “A Noite de São Lourenço”, que se reinventaram no recente “César Deve Morrer”, afagam o espectador com sua visão bem particular de Boccaccio.

Com poesia, humor, drama e as tais cores estonteantes, encadeiam as histórias de uma maneira que, no final, o que fica é a singeleza do pensamento de que o amor é o que nos salva. Sem preocupações com uma fidedigna reconstituição de época, os cineastas exaltam Boccaccio de um jeito inédito, livre, leve e solto.

Na primeira história, uma bela esposa é deixada à morte, mas o verdadeiro amor a ressuscita, enquanto se reforça a ideia de que, naquela época, mulher era apenas uma mercadoria. Na sequência, amigos pregam uma peça em um jovem da aldeia, simplório, porém violento e sem escrúpulos. A tragédia está armada, mas a intervenção narrativa vem na hora certa e mal-estares são evitados.

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Decamerão se equilibra entre a vida e a morte, como na história da esposa ressuscitada pelo amor

 

Depois, freiras enclausuradas por imposição da família descobrem os prazeres da carne, em um dos episódios mais cheios de graça; na sequência um romance ao estilo Romeu e Julieta que termina em tragédia por causa de um pai possessivo carrega no drama. E, então, um gran finale, uma narrativa de fazer tremer os olhos sobre um rapaz cujo melhor amigo é um falcão, que perde tudo por causa de um amor não correspondido. Tudo mesmo. Até que o destino interfere de uma maneira surpreendente.

Mas eis que chega a chuva para lavar os medos da peste e os amigos, então, se arriscam em novas jornadas, deixando um gosto de quero mais. Assim como os Taviani. São cinco histórias, mas bem que poderia ser a obra completa.

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Sobre Daniela Prandi

Daniela Prandi, paulista, jornalista, fanática por cinema, vai do pop ao cult mas não passa nem perto de filmes de terror. Louca por livros, gibis, arte, poesia e tudo o mais que mexa com as palavras em movimento, vive cada sessão de cinema como se fosse a última.

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