Em seu terceiro longa, Sandra Kogut retrata a aventura de uma mulher da Zona Sul pelo subúrbio carioca da cidade maravilhosa    Fotos: Divulgação
Em seu terceiro longa, Sandra Kogut retrata a aventura de uma mulher da Zona Sul pelo subúrbio carioca da cidade maravilhosa Fotos: Divulgação

A felicidade mora longe

DaniPrandi_0188c_500No Rio de Janeiro toda a gente espera. No caos de uma cidade que se tornou um canteiro de obras, primeiro com a Copa do Mudo, depois com os Jogos Olímpicos, a expectativa de dias melhores move o ir e vir, sempre muito tumultuado, de quem (sobre)vive na cidade dita maravilhosa. A pequena Rayane e seu irmão Ygor esperam a mãe que os deixou em frente a um prédio na endinheirada Zona Sul dizendo que voltaria logo. Nas mãos, a garota aperta um papel, com o endereço de dona Regina. É nesse encontra e se desencontra enquanto se espera que se desenrola “Campo Grande”, terceiro longa de Sandra Kogut.

No filme, Ygor e Rayane são interpretados por Ygor Manuel e Rayane do Amaral, crianças que atuam com uma beleza e uma firmeza no olhar que impressionam. Assim como em seu longa de estreia, o maravilhoso “Mutum” (2007), Sandra Kogut mostra, mais uma vez, o quanto domina a direção de crianças, que passaram pelo treinamento “mão de ferro” de Fátima Toledo, a mais competente das preparadoras de elenco do Brasil.

 

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Regina, vivida pela atriz Carla Ribas, passa por processo de separação e, de repente, se vê diante de duas crianças deixadas na porta do seu apartamento

 

Já a atriz Carla Ribas, no papel de dona Regina, se entrega sem amarras na pele da mulher de meia idade que vê a praia por um vão entre os belos prédios do Leblon, o bairro dos chiques, enquanto sua vida também se transforma. Em processo de separação, a filha Lila (Julia Bernat) vai morar com o pai e ela está desmontando seu apartamento. De repente, duas crianças aparecem em sua porta e ela não sabe de onde, muito menos o que fazer. Entre o amontoado de coisas que aparecem quando chega a hora de mudar estão partes de uma vida vivida e de outras que podem vir a ser.

A solução mais fácil, rápida e indolor é levar as crianças a um abrigo e esquecer o assunto. Mas a mãe de Ygor e Rayane disse que voltaria e os irmãos não querem, ou não podem, arredar o pé dali. Aos poucos, Regina descobre nessa convivência forçada um outro mundo, dentro dela e também no longínquo Campo Grande, onde a avó dessas crianças estaria.

A aventura da senhora da Zona Sul pelo subúrbio carioca, uma ideia que não é nem um pouco nova, convenhamos, rende uma sequência de descobertas e redescobertas. O roteiro, escrito pela diretora em parceria com Felipe Sholl, nasceu depois de “Mutum”, que mostra o dilema de uma mãe que dá seu filho a um desconhecido, na esperança de que tenha uma vida melhor.

Na pré-estreia do filme, no último dia de maio, no Rio de Janeiro, a cineasta disse que nunca parou de pensar no que leva uma mãe a abandonar um filho desde “Mutum”, que era baseado em conto de Guimarães Rosa. Mas prefere destacar uma outra questão: “feliz” com o “começo de uma vida” para o filme, que finalmente entra em cartaz depois de rodar festivais como Toronto, Roma e Mar del Plata, Sandra Kogut lembra que o mundo em transformação continua ali. “Filmamos em 2014, no auge das obras para a Copa. As crianças cresceram, as obras agora são outras, e o Rio de Janeiro vai ficando diferente, não para”, afirmou em entrevista para a Agência Social de Notícias.

Coincidência ou não, bem em frente ao cinema uma parte da calçada estava interditada por alguma obra que a gente nem pergunta mais a razão.

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As crianças Ygor Manuel e Rayane do Amaral interpretam Ygor e Rayane, com firmeza impressionante, depois de passarem pelo treinamento “mão de ferro” de Fátima Toledo

 

“Campo Grande” traz múltiplos pontos de vista no Rio “da beleza e do caos”. Taí uma grande qualidade do roteiro, que é a de tentar entender o lado de cada um em um cenário no qual, existencialmente, estão todos no mesmo lugar. “Acho importante não julgar, não dividir. O Brasil é um país tão complexo”, completa a diretora, que estreou no cinema com o documentário “Um passaporte húngaro”, em 2001, no qual buscou suas origens.

Entre os closes de olhares, os silêncios e luz que brota na janela, e mesmo nos cenários vistos de longe, “Campo Grande” guarda um quê de documental, muito próximo da vida. O Campo Grande que as crianças conheciam não existe mais. Uma placa anuncia um grande empreendimento comercial. É o mundo em movimento. E todos esperam.

 

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Sobre Daniela Prandi

Daniela Prandi, paulista, jornalista, fanática por cinema, vai do pop ao cult mas não passa nem perto de filmes de terror. Louca por livros, gibis, arte, poesia e tudo o mais que mexa com as palavras em movimento, vive cada sessão de cinema como se fosse a última.

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