Créditos: Reprodução/Internet. Cena do filme Nós ou nada em Paris
Créditos: Reprodução/Internet. Cena do filme Nós ou nada em Paris

“Nós ou Nada em Paris”, a arte de rir pra não chorar

Fazer “rir pra não chorar” é um talento. Em “Nós ou Nada em Paris” (Nous Trois ou Rien), as tragédias recentes no Irã ganham um ar de comédia, ou de tragicomédia, na direção do estreante rapper e comediante franco-iraniano Kheiron, revelado ao público francês no programa “Jamel Comedy Club”. A fórmula já foi usada outras vezes, como em “A Vida é Bela”, que extraiu risos em uma história passada em um campo de concentração, por exemplo. Mas Kheiron consegue algo mais ao retratar a história verdadeira de sua família, ambientada em um recente período turbulento de mudanças políticas extremas no Irã.

Kheiron interpreta o próprio pai ao mostrar a trajetória de seus pais, Hibat e Fereshteh Tabib (Leila Bekhti, de “O Profeta”), que foram obrigados a pedir asilo político na França após militância nos grupos de oposição tanto ao regime do xá Reza Pahlevi (Alexandre Astier) quanto ao de seu substituto, o aiatolá Khomeini. Seu próprio nascimento e seus primeiros anos de vida estão ali, na história inspiradora narrada em ritmo frenético, com piadas no tom exato – que a comédia brasileira bem que poderia aprender.

Travessia da família, a cavalo, nas montanhas nevadas que separam o Irã da Turquia
Travessia da família, a cavalo, nas montanhas nevadas que separam o Irã da Turquia

Hibat, com seus 11 irmãos e irmãs, disputa a comida e os brinquedos enquanto vive uma vida ocidentalizada no Irã de Pahlevi, mostrado como um extremo idiota, que demora para entender que terá de deixar o poder enquanto tem as ideias mais estapafúrdias para tentar conter a revolução que bate à porta. As aparições de Pahlevi, aliás, estão entre as mais engraçadas do filme, principalmente a cena de sua “despedida”.

Forte opositor de Pahlevi, Hibat acaba preso, junto com um irmão. Os anos passam, um dia Hibat recusa-se a comer o bolo de aniversário que vai celebrar mais um ano de vida do ditador e vai para a solitária. Por um desses mandos e desmandos do poder, após sofrer um bocado, acaba sendo solto. Conhece Fereshteh, casa-se, intensifica sua atuação na oposição e todos suspiram aliviados quando Khomeini (que aparece em cenas da época, pela TV) assume o poder. Mas o alívio dura pouco. Alguns minutos. O Irã, para quem não se lembra, islamizou-se ao extremo, trocou-se um ditador por um fanático religioso e a democracia que todos sonhavam ficou ainda mais distante.

Xá Reza Pahlevi (Alexandre Astier)
Xá Reza Pahlevi (Alexandre Astier)

Não resta muito a fazer a não ser fugir para sobreviver. Uma das sequências mais belas do filme é a travessia da família, a cavalo, nas montanhas nevadas que separam o Irã da Turquia. Mais tarde, estabelecidos no subúrbio de Paris, enfrentam novos desafios. Na periferia – Stans, em Seine-Saint Denis –, o casal encontra novos motivos para a militância. Desta vez, o preconceito, o racismo, as diferenças culturais e a falta de perspectivas das famílias de imigrantes que povoam os subúrbios de Paris provocam mobilizações, ações e oportunidades. É uma nova guerra a ser vencida.

Após os créditos finais do filme, que foi indicado ao César na categoria diretores estreantes, vemos um álbum de fotografias com as imagens reais de muitos dos personagens retratados. Comovente.

Uma tragicomédia comovente
Uma tragicomédia comovente

 

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Sobre Daniela Prandi

Daniela Prandi, paulista, jornalista, fanática por cinema, vai do pop ao cult mas não passa nem perto de filmes de terror. Louca por livros, gibis, arte, poesia e tudo o mais que mexa com as palavras em movimento, vive cada sessão de cinema como se fosse a última.

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