“Todas as famílias felizes se parecem; as infelizes são infelizes cada uma a sua maneira”, começa “Anna Karenina”. Saio da sessão de “É Apenas o Fim do Mundo” (Juste le fin du monde), novo filme do cineasta do momento, o franco-canadense Xavier Dolan, com a brilhante frase de Tolstoi me acompanhando. O filme, que recebeu o Grande Prêmio do Júri do Festival de Cannes 2016, olha bem de perto um reencontro familiar. E sobra infelicidade.
A câmera é muito aproximada, vê-se os poros nos rostos do atores, e são os olhares, as caras e bocas de Louis, interpretado por Gaspad Ulliel, que comandam as cenas. O protagonista é um escritor de sucesso que retorna para um almoço com a família, que não visita há 12 anos. “Não é o fim do mundo”, tenta se convencer.
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O filme é contado nas minúcias e sabemos logo de cara que Louis resolveu romper o silêncio para anunciar uma triste notícia para sua mãe, seu irmão e sua irmã, a de que sua morte está próxima.
Antes de sua chegada, acompanhamos a montagem dos drinques e petiscos e a preparação da família para o retorno do filho, uma celebridade, com entrevistas e fotos em jornais e revistas cuidadosamente guardados pela irmã caçula, interpretada com muita força e talento por Lea Seydoux. A sequência é de uma tensão imensa, como que para antecipar os dramas que serão expostos.
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O elenco é fenomenal, com Vincent Cassel como o irmão mais velho, irritadiço, incapaz de ouvir e, talvez, de amar; Marian Cotillard é a cunhada insegura, que não consegue se expressar, em mais um show de interpretação, assim como a veterana Nathalie Baye, atriz de Godard e Truffaut, que faz a mãe, exagerada, muito maquiada, egoísta, mas divertida e amável.
O filme é baseado em uma peça de teatro de Jean-Luc Lagarce (1957-1995) e manteve um pé no teatral apesar da câmera tão aproximada. As infelicidades daquela família, incapaz de demonstrar amor uns pelos outros, chegam carregadas por nostalgia, afinal, é na infância que ficam guardadas as primeiras alegrias, mas dentro de um caminhão de ressentimentos. O que retorna guarda na memória momentos importantes, como sua primeira experiência homossexual, ali mesmo, e está em clima de despedida. Mas os outros, que sentem que foram deixados para trás pelo filho que ficou famoso, estão mais ocupados com as próprias mágoas.
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Louis planeja contar sobre sua morte iminente após o almoço, e enquanto acompanhamos os petiscos, prato principal, sobremesa e tudo o mais, a ansiedade domina. Faz um calor atípico naquele vilarejo no Canadá enquanto a família se reúne na varanda. Entre momentos suados, segredos, lembranças e discursos acalorados, a infelicidade daquela família sai do incompreensível para o compreensível. É, as infelicidades realmente não se parecem.
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“É Apenas o Fim do Mundo” é o sexto filme de Dolan, hoje com 27 anos. O cineasta chamou atenção em Cannes desde sua estreia, aos 19 anos, com “Eu Matei Minha Mãe”. É tratado como prodígio, mas seus filmes costumam dividir opiniões. Apesar do prêmio de “É Apenas o Fim do Mundo”, o filme foi recebido com vaias em Cannes. Foi seu retorno às telas depois de “Mommy”, em 2014, quando também levou o Grand Prix, no mesmo ano em que dirigiu o clip Hello, da cantora Adele. Dolan está apenas começando e, pelo que já mostrou até aqui, ainda vamos ouvir falar muito dele.
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