Ilustração: Well Junio, do estúdio Padoca
Ilustração: Well Junio, do estúdio Padoca

O que os cachorros de Seu Pedrinho nos ensinam sobre cooperação?

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Seu Pedrinho foi alguém que ficou marcado nas minhas memórias de criança. Ele era daquelas pessoas típicas do interior de São Paulo, como as representadas pelo ator Mazzaropi. Não era dado a luxos, vivia com sua família numa modesta casa num sítio em Cajobi. Não sei por que, mas, ainda hoje, sua imagem me vem à cabeça: ele tinha uma voz rouca… falava baixinho…

Possuía uma charrete que usava para vender queijos frescos, e a sua chegada era sempre ouvida a quilômetros de distância pelos latidos de seus mais de vinte cachorros que o acompanhavam em todos os lugares aonde ele ia.

Seu Pedrinho os adorava e, ao que parecia, o sentimento era recíproco, pois, em todas as vezes que ele se agachava para fazer seu cigarro, todos os seus cães prontamente o cercavam. Eu, aos oito anos, imaginava a ele como sendo o “rei dos cachorros”.

Ele, ali agachado e rodeado pelos cães, isso indicava Seu Pedrinho ser um homem confiável. “Esta cachorrada toda aqui me conhece mais que a minha mulher” dizia ele.

Mas, será mesmo que os cães, assim como os adultos, são capazes de ter esse “feeling”? Teriam os cães um senso de julgamento para saber se uma pessoa é solidária ou confiável?

Não posso dizer que uma pessoa que tenha mais de vinte cães seja digna de confiança, mas já sabemos que os cães são capazes de fazer julgamentos da mesma maneira que uma criança faz. Toda criança, lá pela idade de um ano, já começa a construir um senso crítico do mundo e das pessoas ao seu redor. Elas julgam as pessoas analisando como elas se comportam diante de outros e, baseadas nisso, são capazes de saber se determinada pessoa é confiável ou não.

Ilustração: Well Junio, do estúdio Padoca
Ilustração: Well Junio, do estúdio Padoca

Os cães também fazem esses julgamentos e estão mais dispostos a confiar em pessoas que sejam solidárias umas com as outras do que em egoístas ou não cooperativas.

Pesquisadores do Departamento de Psicologia da Universidade de Kyoto e do Departamento de Ciência Comportamental da Universidade Hokkaido, no Japão, quiseram saber se, assim como as crianças, os cães também possuem um senso de julgamento baseado no que uma pessoa faz a outra pessoa.

Um dos experimentos consistia em dois atores realizando atividades em frente a um cão. Na primeira delas, o cachorro via um ator (A) tentando, com muita dificuldade, abrir uma caixa contendo um brinquedo dentro, e um segundo ator (B) que estava ao seu lado, a quem podia ajudar o ator (A), ou não, a abrir a caixa para retirar o brinquedo.

Ao final de cada bateria de experimentos, os atores ofereciam comida ao cão, que tinha liberdade de escolha de qualquer um dos atores. Quando o ator (A) era ajudado pelo ator (B) a abrir a caixa, o cão não fazia diferença de quem escolher a comida, se de (A) ou de (B), ele confiava em ambos e escolhia a comida de ambos, mas quando o ator (B) não ajudava a abrir a caixa, o cão não escolhia a comida oferecida por ele e somente aquela vinda do ator (A) que abrira sozinho a caixa. Esses e outros experimentos foram realizados diversas vezes com 20 raças de cães e também com o nosso conhecido vira-latinha e, em todos, os resultados eram parecidos: os cães faziam julgamentos do que estava acontecendo ao seu redor e respondiam a isso, priorizando sempre quem era cooperativo.

Cachorros têm uma relação duradoura e íntima com os seus donos e estão envolvidos com eles de uma maneira que, inevitavelmente, os fazem sensíveis a seus comportamentos.

Os estudos mostraram que, como as crianças, os cães não são somente observadores passivos das interações de outros indivíduos (eles não olham apenas por olhar, mas estão fazendo julgamentos comportamentais de tudo). Eles prestam atenção ao resultado dessas interações, avaliam como os atores se comportam e fazem uso dessas informações para chegarem a uma decisão sobre com quais indivíduos eles devem interagir ou que devem evitar.

Da próxima vez que ver seu cachorro lhe olhando fixamente, melhor se assegurar de que você disse um caloroso bom dia ao seu vizinho!

 

O review desta pesquisa “Third-party social evaluations of humans by monkeys and dogs” foi publicado pela revista “Neuroscience and Biobehavioral Reviews”.

http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0149763416303578

Aqui, a lista das 20 raças de cães utilizadas: Australian labradoodle, Bernese mountain dog, Bichon frise, Cavalier King Charles spaniel, Chihuahua, French bulldog, Golden retriever, Irish setter, Labrador retriever, Miniature dachshund, Miniature schnauzer, Papillon, Pomeranian, Pug, Rough collie, Schipperke, Shiba, Toy poodle, Welsh corgi Pembroke e o Yorkshire terrier.

Sobre André Sarria

Os certificados e papéis dizem que eu sou cientista, mas prefiro ser mais um "escutador" da natureza do que cientista. A natureza fala e eu a traduzo em linguagem de gente. Nasci em Cajobi e trabalhei em Londres como Pesquisador no Rothamsted Research. Atualmente moro em Madrid onde sou Diretor de Pesquisa e Desenvolvimento em uma empresa Europeia de agricultura.

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2 comentários

  1. Qué interesante estudio! Y qué bueno entender más a los seres vivos que nos rodean. Al final no son tan diferentes a nosotros y podemos aprender mucho de ellos.

  1. Pingback: Cheiro de medo -