Emily Dickinson (1830-1886) enfrentou, com poesia e rebeldia, uma vida marcada por princípios familiares rígidos que terminou de forma solitária e dolorosa, após sofrer por anos de uma grave doença renal. A poeta, hoje uma das mais inspiradoras e reconhecidas autoras da língua inglesa, teve uma vida praticamente anônima em Amherst (Massachussets) e publicou pouco mais de uma dezena de poemas dos quase 1.800 que foram revelados ao mundo postumamente.
“Temo que as mulheres não possam criar a fina literatura”, diz o editor de um jornal ao responder ao seu pedido de publicação em uma cena de “Além das Palavras” (A Quiet Passion, no original), surpreendentemente a primeira cinebiografia da autora, em um filme escrito e dirigido pelo talentoso britânico Terence Davis, de trabalhos premiados, como “O Fim de um Longo Dia” e “Vozes Distantes”.
No filme, a protagonista é mostrada a partir de sua juventude (vivida por Emma Bell), então aluna de uma escola religiosa que sofre um bocado por simplesmente não conseguir aceitar os dogmas impostos. “Então você vai para o inferno”, diz a professora, que recebe uma resposta inesperada.
Já na vida adulta, Emily Dickinson é vivida com muito rigor em uma elogiada atuação de Cynthia Nixon, mais conhecida como a Miranda da série de TV Sex and the City. A poeta sempre contou com o apoio do pai, Edward (Keith Carradine), um advogado que “permitiu” que ela escrevesse durante um período da noite. Com sua fervilhante mente, muito à frente de seu tempo, é nas madrugadas que surgem poemas intensos, que o público de hoje pode, enfim, entender de onde vieram.
“Além das Palavras” foca no seu núcleo familiar, na vida reclusa que era praticamente uma regra para as mulheres, nas implicâncias de Emily com o casamento e o mundo social, mas, principalmente, em sua recusa em aceitar o papel que a sociedade de sua época esperava das mulheres “de bem”. Ao mesmo tempo, mostra que a autora tinha inveja da beleza da irmã Vinnie (Jennifer Ehle) e da liberdade do irmão Austin (Duncan Duff), em um retrato muito corajoso e singular da autora, que nunca se casou e que, como sugere o filme, teve um amor platônico por um homem casado.
A primeira metade do filme tem um tom mais leve e divertido, com a protagonista com toda a vida pela frente. O tom é de sátira e há diálogos sensacionais na sala de estar daquela família intelectualizada. Há rebeldia, apesar de contida pelo cenário calvinista e puritano da época, e há a amiga Vrying Buffam (Catherine Bailey), tão deslocada quanto ela. As cenas com as duas, com diálogos com muito humor e ironia, arrancam risadas.
Mas, com o passar dos anos, o drama toma conta, com a dificuldade para publicar, a morte do pai, a descoberta de que o irmão traía a esposa e, no final, sua doença renal que a transtorna com dores intensas. Emily Dickinson se torna uma mulher densa, sofrida e solitária, que só tem a sua poesia e a tormenta de que seus escritos morreriam com ela. Ainda bem que não.
Durante o filme, na voz de Cynthia Nixon, a poesia da autora revela-se ainda mais surpreendente, e é “fina literatura”, afinal. Emily Dickinson marcou seu nome na história; já o editor que a recusou…
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