Já contei aqui que, na cidade alternativa que habitei um dia, tinha sempre um poeta cego e insano plantado nas trêmulas esquinas pelas quais eu passava, com meu cortejo de fantasmas sedentos de sei lá o que.
Ele adivinhava os meus passos e se teleportava para os pontos de encontro. Sempre com um poema na ponta da alma. Houve uma vez que o poema se chamou Anotações de emergência ao pé do semáforo. Era assim:
Imóvel à porta do meu paraíso interditado.
Telepatias cessam cancelo o mundo.
Madrugada avenida.
Anotações de emergência ao pé do semáforo.
Luz vermelha tecendo o homem impossível vertical no asfalto.
Os minúsculos pássaros cinzas que perturbam a substância
dos neons têm asas lentas demais para não acabar no fio de água
que corta a avenida e vai dar no sono mineral dos mastins.
Meu coração sem sangue nem megafone já busca
o seu compartimento na trama dos naufrágios.