Duda nasceu com microcefalia e seus pais foram considerados incapazes; ela passou a ter três mães que assumiram os seus cuidados; a história de Duda, relatada num vídeo da Unicef está rodando o mundo via internet (Foto reprodução de vídeo)
Duda nasceu com microcefalia e seus pais foram considerados incapazes; ela passou a ter três mães que assumiram os seus cuidados; a história de Duda, relatada num vídeo da Unicef está rodando o mundo via internet (Foto reprodução de vídeo)

A deficiência e suas redes de solidariedade

Marta_0127_pb_500x500fDuda é um dos 1,2 mil bebês que nasceram com microcefalia no Brasil desde outubro de 2015. Filha de pai alcoólatra e mãe com “distúrbio mental”, considerados incapazes de cuidar da recém-nascida, Duda passou a ter três mães: três mulheres que, tomando conhecimento da situação, assumiram os cuidados da menina.

A história de Duda, relatada num vídeo do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) que está rodando o mundo via internet, me remeteu a uma das experiências mais gratificantes desde que tive uma filha com síndrome de Down: a vivência, no cotidiano, da solidariedade.

A solidariedade não se resume ao ato em si das mulheres, ou seja, assumir Duda como filha. Expressa-se também nos laços e relacionamentos que se tecem em torno e a partir de Duda, replicando uma história recorrente quando um bebê nasce com alguma deficiência.

Link do vídeo:

Se o nascimento de uma criança com deficiência costuma desencadear frustração, tristeza, medo e muito mais, ao mesmo tempo alimenta um sentimento ímpar de fé na vida. Geralmente, é este sentimento que prevalece, mobilizando-nos a sair para o mundo em busca do melhor para os nossos filhos, a fim de lhes dar condições para que tenham o melhor futuro possível.

E quem não quer isso para os filhos?

Só que no caso de uma criança com deficiência intelectual, o futuro pode parecer um tanto quanto nebuloso, o que nos coloca na zona cinza da incerteza e do medo.

Será que ele vai andar? Vai falar? E se ele não se alfabetizar? Ele vai saber se virar sozinho na rua? Vai ter amigos? São pensamentos comuns, que nos movem a buscar o contato e a troca com quem vivencia o mesmo que nós.

Quando Zoë, minha filha, nasceu com síndrome de Down, meu maior desejo, nos seus primeiros meses de vida, era falar com outras mães e, principalmente, conhecer uma criança com a síndrome. Mais do que curiosidade, era uma necessidade. Eu precisava materializar de alguma maneira a síndrome de Down; criar referências capazes de me guiar nesse mundo novo onde estava ingressando.

Esta fase, a dos recém-nascidos, é complexa, permeada de protocolos médicos, exames, especialistas e terapeutas – muitos, muitos deles! É o momento de começar a conhecer aquela pessoa que está chegando ao mundo; de identificar suas potencialidades e fragilidades.

É uma rotina cansativa, como relatam as mães de Duda no vídeo.  Mas é nas salas de espera que invariavelmente encontramos outras mães (e alguns pais), com quem partilhamos as angústias, dúvidas e, também, as alegrias. Em meio às conversas e trocas de dicas e informações, as amizades ganham corpo e a confiança se renova tanto quanto aumenta.

Nesses encontros, nos damos conta da nossa força, da capacidade de nos reinventarmos, de olharmos para o mundo e as pessoas a partir de outros pontos de vista.

Tomamos consciência da importância e do valor de cada ser humano e, não raro, partimos para a ação no cotidiano. Passamos a reivindicar terapias complementares para nossos bebês, vagas em creche, cuidadores nas escolas para acompanhar aqueles que têm necessidade.

Debruçamo-nos sobre leis, que deixam de ser uma abstração e se tornam parte do dia a dia. Aprendemos quais são os direitos de nossos filhos, bem como aprendemos os caminhos para reivindicá-los. Conversamos sobre eles. Ouvimos histórias de sucesso e outras nem tanto. Organizamo-nos e nos ajudamos a fim de fazer valer esses direitos.

E, assim, renovados, seguimos, aprendendo enxergar potência e alegria na vida.

 

 

Sobre Marta Avancini

Paulistana que cresceu embalada pelo ritmo da cidade grande e que, assim, tomou gosto pelas ideias, artes e comunicação. Acredita que um mundo melhor se faz no aqui-agora, na teia de relações sociais e afetivas que acontecem no cotidiano, e que o jornalismo pode, sim, colaborar para a construção de uma sociedade mais consciente, ética e humanista.