“BR 716” (como já chamam o filme “Barata Ribeiro 716” de Domingos de Oliveira) venceu o Festival de Gramado deste ano
“BR 716” (como já chamam o filme “Barata Ribeiro 716” de Domingos de Oliveira) venceu o Festival de Gramado deste ano

Em “BR 716”, a vida era uma festa até que chegou a ditadura

DaniPrandi_0188c_500A partir das memórias de quem bebeu além da conta, Domingos de Oliveira apresenta “Barata Ribeiro 716”, ou “BR 716”, como o filme passou a ser chamado após vencer o Festival de Gramado deste ano. O título refere-se ao endereço do cineasta entre os anos de 1961 a 1964, quando, após se separar de sua primeira mulher, passou um bom tempo entre festas, ressacas e paixões em um espaçoso apartamento em Copacabana. Apresentado hors-concours no Festival de Cinema do Rio, no mês passado, o filme tem estreia nacional no próximo dia 17.

Domingos de Oliveira sempre usou a memória para contar suas histórias no cinema. Foi assim em “Era Uma vez” (2008), “Primeiro Dia de um Ano Qualquer” (2012) e “Infância” (2014), para ficar nos mais recentes. Agora, aos 80 anos, revira o baú para focar no período pré-ditadura ao contar um período da vida de seu alter-ego Felipe (Caio Blat, que incorporou os maneirismos do diretor e seu jeito de falar), um escritor que reúne amigos intensos em festas que atravessam as madrugadas.

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Para interpretar Felipe, alter-ego de Domingos de Oliveira, Caio Blat incorporou maneirismos do diretor

Felipe é recém-separado, mas nunca está sozinho. Em sua rotina de boemia, a conta do botequim da esquina está nas alturas e cada dia (e cada noite, principalmente) é uma aventura. Assim como na vida real, o protagonista ganhou o imenso apartamento de seu pai e está em busca de ideias e inspiração para seu primeiro livro.

Amores iam e vinham, em um tempo pré-hippie, vale destacar, e nos bastidores o golpe militar ia sendo montado. A vida de todos ali iria mudar radicalmente. Apesar do tom político não dominar, o cenário que se desenha e se adivinha é dos mais tenebrosos. Mas, enquanto a ditadura não chega, o negócio é beber e dançar até cair.

“BR 716” mistura cenas coloridas com muitas imagens em branco e preto, alta resolução e cenas captadas com uma GoPro. É um filme moderno, que evoca um passado no qual parecia que o Brasil iria se sobressair com seu samba, sua bossa e sua criatividade vanguardista. Com referências que vão da Nouvelle Vague ao cinema independente de John Cassavetes, por exemplo, revela o fôlego e o talento de um cineasta não menos independente, e que se manteve fiel. Além de melhor filme, “BR 716” levou os prêmios de melhor diretor, melhor trilha musical e melhor atriz coadjuvante em Gramado.

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“Barata Ribeiro 716” faz referência ao endereço do diretor, no Rio, onde viveu entre 1961 e 1964

Na roda de amigos destacam-se a melhor amiga interpretada por Glauce Guima, vencedora do prêmio de atriz coadjuvante em Gramado, além da beleza de Sophie Charlotte, que vive Gilda, uma das amantes do protagonista. No elenco estão ainda Pedro Cardoso, Maria Ribeiro e Daniel Dantas, entre outros.

Domingos de Oliveira tem Parkinson e conta que ditou o filme para duas secretárias. “A pior parte da vida são o princípio e o fim. A mocidade e a velhice. Na mocidade você dispende muita energia para encontrar o seu lugar no mundo e não tem tempo de aproveitar a vida. Na velhice, o corpo vai embora, e tampouco dá para aproveitar direito. O melhor é o meio. Você já entendeu mais ou menos as coisas, não faz xixi na cama, não tem tantas culpas, e a vida fica uma delícia”, repetiu o cineasta nas rodadas de entrevistas para a divulgação do filme. Fica a dica, como dizem por aí…

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Sophie Charlotte vive Gilda, uma das amantes do protagonista e frequentadora do apartamento festivo

Um dia o apartamento da Rua Barata Ribeiro teve de ser vendido para pagar as contas, inclusive a do botequim. Na vida real, o imóvel até hoje está com a mesma pessoa que o comprou de Domingos de Oliveira em 1964.

E é claro que teve festa de despedida.

TRAILER

Sobre Daniela Prandi

Daniela Prandi, paulista, jornalista, fanática por cinema, vai do pop ao cult mas não passa nem perto de filmes de terror. Louca por livros, gibis, arte, poesia e tudo o mais que mexa com as palavras em movimento, vive cada sessão de cinema como se fosse a última.

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