Crédito: Vincent Tijms/creativecommons.org
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Sai dessa agora, velho batuta!

carlaozinho_0256_400x400Na única vez em que não consegui evitar ir a um shopping nesta época natalina, me assombrei com uma cena infernal: uma criancinha aos berros no colo de um Papai Noel com cara de bundão. Lembrei-me então de um dos ditados favoritos do meu avô meio índio, meio ET: “Gente ruim pode enganar qualquer um, mas não engana criança nem cachorro.”

Resolvi pesquisar. Que a figura mítica do “Pai Natal” (“Noel” é a forma francesa arcaica de “Natal”) teria sido inspirada na persona real de Nicolau Taumaturgo, arcebispo de Mira, na Turquia do século 4, que virou santo católico, até a criancinha que chorava no shopping deve ter ouvido falar. Até aí, tudo bem, afinal o cara era realmente bondoso a ponto de presentear a criançada. E para evitar confusão, é bom frisar que Santa Claus, o nome dado na Dinamarca, é só a latinização de Sinterklaas, forma contraída de Sint Nicolaas. Ah, e até o molequinho do chororô está careca de saber também que o visual do Papai Noel cultuado atualmente é produto de uma garibada da Coca-Cola, na década de 1930, para ressaltar as cores vermelha e branca da roupa, as mesmas da sua icônica logomarca.

Crédito: Reprodução
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Mas acontece que o iglu sombrio do velhote é mais embaixo: o DNA do barbudão vem de antes, bem antes, perdendo-se na infância pagã do mundo. De quando as criancinhas finlandesas não se exultavam exatamente ao ouvir referências ao Joulupukki (ou Bode de Yule), um bicho-papão, que usava um cajado e varava as noites gélidas em um trenó puxado por renas selvagens, para recolher as almas dos pequerruchos mal comportados. Não chegou por aqui, mas há até um filme, Rare Exports, do finladês Jalmari Helander, sobre o tema.

Pra ajudar a queimar a chapa do ancião, a revista Unesp Ciência publicou um estudo indicando que a obesidade do Papai Noel é um péssimo exemplo pra criançada. Nem as celebrities de plantão parecem dispostas a dar mole pro coitado: pois não é que a tresloucada Lady Gaga uma vez arrancou a dentadas a cabeça de um boneco de Papai Noel que atiraram no palco?

Crédito: Lucas/creativecommons.org
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Pensando bem, acho que meu pé atrás com o personagem vem desde que eu era projeto de Carlãozinho: por que é que ele nunca trazia presentes pros meus amigos da Santa Cruz, a favelinha que tinha lá na cidade mineira da minha infância? A trilha sonora pra esta revolta veio anos depois, no auge do punk brasileiro, com os Garotos Podres esgoelando: “Papai Noel, velho batuta/Rejeita os miseráveis/Eu quero matá-lo/Aquele porco capitalista!”

Bom, como nunca se sabe, neste Natal, resolvi armar um esquema lá em casa, pra tirar a limpo qual é realmente a do Papai Noel. Botei minhas meias — as que não estão furadas, naturalmente — na janela. Se ele for bacana como dizem, vai me presentear com o autorama que nunca ganhei em natais passados. Se for do mal… bem, lembra o que meu avô falava da impossibilidade de enganar crianças e cachorros? Então, aí eu convoco a minha família/matilha: Selena! Dylan! Anita! Pagu! Frida! Dale! ISCA!

Sobre Carlãozinho Lemes

Antes do jornalismo, meu sonho era ser... astronauta. Meu saudoso pai me broxou: “Pra isso, precisa seguir carreira militar”. Porém, nunca deixei de ir transmutando a sucata anárquica dos pesadelos em narrativas cambaleantes entre ficção científica, uma fantasia algo melancólica, humor insólito e a memória — essa tumba mal lacrada de maravilhas malditas. Assim, é o astronauta precocemente abortado quem proclama: rumo ao estranho e às entranhas!

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