Crédito: Chip Harlan/creativecommons.org
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A ciência e as resoluções de ano novo

Deixei de respeitar a ideia de “resoluções de ano novo” há muito tempo. Mas, até há pouco, continuava reverenciando a ciência. Se eu não tivesse cismado de misturar as duas coisas, poderia muito bem ter evitado aumentar meu poço de ceticismo.

Já reparou que todo regime pra emagrecer fracassado começa num dia emblemático? Segundas-feiras, entrada do inverno (pra ficar sarado até as temporadas quentes) e — claro — inícios de anos. O calendário é a Babilônia dos auto-iludidos.

Sem querer justificar a minha fraqueza, mas tentando justificar mesmo assim, creio que o que derrubou minha fortaleza já no alvorecer do ano passado foi uma doída puxada de orelha que levei de meu médico, devidamente reforçada por um mapa de pressão arterial estratosférico e um hemograma no qual o colesterol era sucesso de bilheteria.

Aí, bastou um empurrãozinho da notícia publicada na respeitável revista Science: “Pensar que está mastigando diminui a vontade de comer, diz pesquisa”. Sério, estava escrito lá que pesquisadores da Universidade Carnegie-Mellon, nos EUA, teriam descoberto que se a pessoas apenas imaginarem que estão saboreando os alimentos acabam experimentando uma sensação de saciedade e desistem da comilança real.

Imbuído do mais profundo espírito científico, resolvi me autoconvocar como cobaia e marquei o experimento… lógico, para o dia 1º de janeiro. À tardinha, quando a pança, que valentemente aguentara o embate da ceia da virada, já estava apaziaguada, coloquei à minha frente as generosas maravilhas que nem ousava chamar de “sobras”. Olhos fixos no banquete, comecei a mentalizar: as carnes… o arroz com nozes… a farofa rica… o salpicão de peru… depois os doces… o pavê… a torta holandesa… o sorvete… a rabanada (claro!)… tudo intercalado com as bebidas… o vinho… a cerveja… o refrigerante…

Crédito: Glenn J. Mason/creativecommons.org
Crédito: Glenn J. Mason/creativecommons.org

Acordei do transe diante de uma mesa que parecia ter sido devastada por uma horda de vikings montados em velociraptores. E garanto aos gênios que publicaram a tal pesquisa: as migalhas que analisei posteriormente nada tinham de virtuais!

Foi então, uns 5kg mais gordo (e os dígitos da balança também eram muito reais), que dei a mão à palmatória ao Nietzsche, quando ele desdenhava o valor da ciência em comparação com o da arte, uma vez que esta “quer a vida”, enquanto a primeira almeja o “aniquilamento”. No sentido de buscar o esgotamento dos mistérios da vida, não medindo escrúpulos na ânsia de gritar “Eureka”. Nem quando levam os crédulos idiotas a começarem o ano mais gorduchos.

Juro que, nessa entrada de 2017, vou arrotar (sem falar em outro tipo de manifestação sonora/corpórea) solenemente pra ciência.

Sobre Carlãozinho Lemes

Antes do jornalismo, meu sonho era ser... astronauta. Meu saudoso pai me broxou: “Pra isso, precisa seguir carreira militar”. Porém, nunca deixei de ir transmutando a sucata anárquica dos pesadelos em narrativas cambaleantes entre ficção científica, uma fantasia algo melancólica, humor insólito e a memória — essa tumba mal lacrada de maravilhas malditas. Assim, é o astronauta precocemente abortado quem proclama: rumo ao estranho e às entranhas!

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