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Um guia turístico desatento

Cacalo FernandesCerta noite, entre cervejas e cervejas, um amigo que trabalhava em uma empresa de turismo, o Gonçalves, me chamou de lado e me convidou para atuar como guia turístico. E abriu um sorriso.
O que? Guia turístico? Para levar alguém pra Marte?
Ele ficou me olhando. Sumiu o sorriso.
Como, levar alguém pra Marte, pensou? Este cara está louco!
Continuou me olhando. Cheguei a ficar inibido.
Olha aqui, Gonsalves. Não imaginei nada disso. Mas, cá pra nós: guia turístico?

Cacalo_Guia turistico 2
Tentei explicar minha atividade atual. Sou bom em português. Sou bom em matemática. Sou bom em todas as disciplinas. Mas bom no que é preciso conhecer um curso para trabalhar. Nada mais. E isso não seria interessante para ninguém que fosse passear.
Seguiu de olho na minha cara.
Explico: no início do cursinho pré-vestibular, em São Paulo, num apartamento minúsculo na Avenida Paulista, éramos cinco na república de estudantes. Depois de um mês, um caiu fora. Quinze dias depois, outro foi embora. Comecei a me preocupar. Afinal, o aluguel do apartamento estava no nome do meu pai. Quando mais um se foi, entrei em pandarecos. Olhei para Ramon, o colega restante. “Não se preocupe, vou ficar”, disse. Tive um alívio bem leve.

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Foi leve, mas nem tanto. No final de semana seguinte teríamos simulado para se ver como estávamos estudando. Agarramos as apostilas e livros com mais vigor. E partimos para a prova. Era um bando de estudantes em todas as salas. São Paulo de cabo a rabo estava lá.
Naquele ambiente foi que senti mais claramente como foi a debandada da república. Quando estavam distribuindo as provas, percebi que algo estava em reboliço no meu estômago. Comecei a me levantar. Iria vomitar. E vomitei mesmo.
Uma japonesinha da fileira da frente foi a vítima. E lá se foi sobre a cabeça dela a estranheza do meu estômago. E foi por cabelo e corpo o embaraço que sentia. Para mim, fim de simulado. E provavelmente também para a japonesinha. Saí com a comida vomitada pelo corpo inteiro. Um esguicho de bombeiro seria a glória.

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Gonçalves continuava me olhando, agora de olhos arregalados. E mostrava cada vez maior interesse.
O que caiu sobre a japonesinha?
Sei lá! Não quero nem pensar. Se conseguisse, também não pensaria.
Quando terminei minhas informações sobre meu período de cursinho, ele perguntou: “O que eu tinha te perguntado mesmo”?
Pensei, pensei… “Não me lembro”, respondi.
Esquecemos e voltamos para a cerveja.

Sobre Cacalo Fernandes

Ser paulistano foi o início de uma história de quem certo dia decidiu ser um escrevinhador. Mas quando a calça deixou de ser curta, lá no início, ajudou a construir esse lado que um dia pareceu esquisito. E hoje acho que não poderia ser outro.

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