Há um otimismo sobre como a sociedade poderia ser construída em “Mulheres do Século 20” que chega a doer olhar em volta e não entender como aquilo deu nisso. É 1979, na ensolarada Califórnia, e nesta nostálgica viagem no tempo do diretor Mike Mills entramos na vida de três mulheres, uma nasceu nos anos 1920, uma nos anos 1950 e uma nos anos 1960. Elas estão em torno de uma missão em comum: como fazer do adolescente Jamie (Lucas Jade Zumann) um homem preparado para amar e respeitar a nova – e revolucionária – mulher que começa a ganhar forma?
O norte-americano Mike Mills foi criado sozinho pela mãe em uma casa enorme na Califórnia e para manter a residência alguns quartos eram alugados. O roteirista e cineasta teve, assim, a oportunidade de conhecer pessoas bem diversas durante sua infância e adolescência. O período era dos mais conturbados, entre o fim do sonho hippie e o começo e o fim do punk, além do eterno conflito de gerações, e o menino crescia com vontade de entender. “Mulheres do Século 20” é um pouco a história desse menino, e, mais ainda, sobre um grande tema que perturba as conversas tanto tempo depois: o feminismo.
Há um pouco de tragédia e um viés cômico na vida de Dorothea, uma interpretação brilhante de Annette Bening, uma mãe tardia, de 55 anos, divorciada e frustrada e que não acredita ser capaz de criar o filho para ser um homem melhor do que os vistos naquela sociedade, naquele momento (um dilema que muitas mães carregam geração após geração, quero acreditar). A mãe viu o mundo mudar e espera que o filho siga pelos melhores caminhos, a partir de sua visão, é claro. Naquele momento, na casa moram William (Billy Crudup), um tipo faz-tudo, e Abbie (Greta Gerwig), uma jovem fotógrafa que veio de Nova York, e é com eles que ela desabafa, entre muitos e muitos cigarros.
Para ajudar o filho, Dorothea resolve pedir ajuda aos que estão ao seu redor. Abbie, uma jovem com experiência em sexo, baladas e rock, e que convive com uma péssima notícia sobre sua saúde, entra na história, assim como uma amiga do filho, Julie (Elle Fanning, em uma atuação perturbadora), uma adolescente não menos perdida, com sérios problemas com a mãe. E, a partir dos pequenos grandes dramas de cada uma, aparece um delicado mundo feminino tentando mudar a história de um novo homem. Munidas de livros, teorias, práticas, atos pessoais e expectativas, e muita música, cada uma acrescenta no amadurecimento de Jamie. Ou deixa tudo ainda mais confuso.
Há questões sobre maternidade, drogas, amor livre, orgasmo, rebeldia e arrependimento e os diálogos são sempre um achado, principalmente por suas referências literárias e um certo tom de humor. Há ainda a trilha sonora imperdível, com Talking Heads animando tudo, e outras muitas referências de época, do carro Fusca ao discurso de Jimmy Carter na TV. Mas, na narração de Dorothea, logo o sonho acaba: “Eles não sabiam que era o fim do punk. Eles não sabiam que Reagan estava vindo”. O mundo estava mudando de novo, e assim continua, afinal.
Mike Mills, que no filme “Toda Forma de Amor” foi brilhante ao contar como um filho adulto recebe a notícia de que seu septuagenário pai é gay, muda o olhar para o do filho adolescente em “Mulheres do Século 20”. O tom de descoberta, porém, continua. E o filme é um achado.
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