A ficha caiu quando fomos visitar uma estamparia têxtil a convite de um amigo. A ideia era conhecer o lugar e ver algumas sobrinhas de tecidos que a fábrica estava se desfazendo.
E lá fomos nós. Naquela manhã, a expectativa era de que iríamos encontrar alguns restinhos de tecido com estampas comuns. Ao contrário disso, encontramos uma pilha grande de tecidos variados com estampas lindas e originais que estava no canto de uma sala. Alguns tecidos eram exclusivos das marcas compradoras e não poderiam ser revendidos, mas outros – a maioria – poderiam ser vendidos em lote, por peso a um custo bem leve.
É preciso voltar um pouco para entender o que se passou ali. Na ocasião, estávamos pensando em produzir alguns produtos com estampas exclusivas. Mas, como não tínhamos escala, e por limitações do processo de estamparia, o tecido com a estampa escolhida teria que ser produzido em quantidade acima do que poderíamos absorver. Portanto, além do gasto de recursos naturais para produzir, já de partida saberíamos que haveria uma sobra generosa do produto. Isso nos incomodou e não demos andamento ao projeto.
Upcycling
E então, naquela manhã na fábrica, diante da pilha de tecidos, nossa pergunta foi: para que produzir mais de algo que temos aqui de sobra? Vimos ali a possibilidade de reaproveitar os restos de tecido da fábrica antes de nos aventurarmos na nossa própria produção que já nasceria com sobras para tudo quanto é lado, ou seja, nem um pouco sustentável.
Estava lançado para nós, o desafio de criar produtos que são desenvolvidos a partir de um processo chamado “upcycling”, que gera zero em resíduos. Diferente da reciclagem, neste processo, um produto ou resíduo é transformado em outro produto sem passar por reprocessamento, ou seja, sem gastar mais energia, água e etc para transformar esse resíduo.
Por exemplo: um vestido de brechó pode ser transformado em um calçado. Ou, sobras de tecidos da indústria da moda podem ser utilizados para a criação de outras peças de roupa. O material base continua o mesmo e não passa por um processo industrial de transformação. O que se transforma aqui é um produto em outro.
No upcycling, para que o resultado final fique interessante é preciso um bom exercício de criatividade e design na sua concepção e elaboração para que as sobras se transformem em um produto inovador para o consumidor moderno e antenado.
As iniciativas
Na moda, alguns estilistas já despontam com criações incríveis, feitas integralmente com sobras de tecido, muito talento e design. Vicente Perrotta, de Campinas, e Aline Vito, de São Paulo, são criadores interessantes que navegam por esse universo.
Vicente usa sobras de jeans, moletom, algodão, lã (de cobertor) e vai costurando um tipo de ‘colcha de retalhos’ com os tecidos. Só que o resultado é surpreendente, gerando vestidos, blusas, calças, bermudas e saias que saem completamente do convencional. Os únicos recursos utilizados aqui são a máquina de costura e a liberdade de criar do estilista.
Aline tem um estilo mais urbano. Ela adquire lotes de tecidos (sobras) de vários tipos e faz toda sua criação aplicando a técnica do ‘moulage’, ou seja, diretamente sobre o manequim ela vai esculpindo as peças e criando vestidos, blusas e casacos. Tudo bem contemporâneo, atemporal e com uma boa dose de assimetria. Também faz peças em tricot com sobras de linhas, claro.
Ambos têm um estilo autoral, artesanal, atemporal e genderless, a moda sem gênero que pode ser usada por homens e mulheres. Outra iniciativa sustentável é da Insecta Shoes, uma marca vegana que cria sapatos lindos a partir de blusas, vestidos, saias e outras peças de brechós.
Economia circular
Na alta costura, recentemente os holandeses Viktor & Rolf fizeram um belo exercício de upcycling na sua coleção de outono 2016 reaproveitando calças de coleções passadas e sobras de tecido da coleção de 1993 e 2015 que viraram jaquetas, saias, vestidos. E o resultado foi belíssimo.
O método de upcycling é o que mais se aproxima do ideal proposto pela economia circular onde nada se perde e tudo se reaproveita. Basicamente, a economia circular é um modelo econômico global que separa crescimento e desenvolvimento econômico do consumo de recursos finitos, concentrando-se em projetos eficazes que visam otimizar o fluxo do uso de materiais e aumentar o estoque de recursos naturais.
Esta filosofia está alinhada ao brechó The MIX Bazar, onde tecidos que seriam descartados pela indústria acabam assumindo novas formas como camisas, bolsas, clutches e jogos americanos. A nossa visita à estamparia têxtil deu ainda mais força às nossas ideias aplicadas no The MIX Bazar.
Resíduo zero
Pensar numa gestão de resíduo zero na moda ainda é muito novo, mas o caminho já começou a ser trilhado por estilistas independentes e empresas pioneiras que estão repensando o design, a produção e o consumo de fibras e tecidos. O design, inclusive, é um dos pontos mais importantes dessa cadeia, pois é o único processo criativo capaz de transformar o que seria lixo em algo com novo apelo, ou criar um produto que gere desperdício zero.
Paul Hawken escreve no prólogo do livro Moda & Sustentabilidade de Kate Fletcher e Lynda Grose que ”A sustentabilidade é o precursor de mais diversidade e escolha, e não menos”. Então, vamos nos aproveitar dessa máxima! E se ao final somos todos consumidores, então, que sejamos consumidores mais arrojados e sustentáveis!
Parabéns Fabiana e Marcela. Parabéns pela iniciativa. Muito talento reunido.
Oi Cibele, obrigada ! Sinta-se convidada para nos visitar e conhecer o nosso trabalho de perto. Olha que delícia ! Bjs
Maravilhoso o artigo! Uma delícia de ler. Entendi um pouco mais minha alma agora: já nasci com alma que aprecia o upcycling, apenas não sabia que tinha esse nome 🙂 Um beijo e sucesso contínuo a essas irmãs de talento e amorosidade ímpares!
O reaproveitamento de materiais/resíduos não é exatamente algo novo. Muitas artesãs já fazem isso há longa data e com muita criatividade. A novidade aqui é incorporar esse conceito (upcycling) na Economia Circular para fazer melhor uso dos recursos naturais e trazer elementos do Desing para criar produtos de maior valor, uso e qualidade. Enfim, trazer esse processo para a cadeia da Economia Criativa, um modelo de negócio que está formatado para ser a economia do futuro. Que legal que você curtiu o artigo e que já tem isso na sua alma!!! Beijo pra você!