É um desafio assistir “Francofonia: Louvre Sob Ocupação”, novo filme do russo Aleksandr Sokurov. É documentário, é encenação, é um ensaio com imagens em movimento, é uma viagem. O filme exige atenção e seu gênero de classificação, afinal, passa a ter pouca importância diante de tanta informação sobre arte, poder e política, não necessariamente nesta ordem.
Desta mistura, o tema principal é rever como as obras do Louvre foram praticamente todas salvas durante a ocupação nazista em Paris, em 1940, ao serem levadas para locais no interior da França. Na época, apenas as estátuas mais pesadas ficaram no Louvre, fundado em 1793 depois de abrigar a realeza desde 1190, e que se tornou o principal museu de arte do mundo. E assim como na contemplação em frente a uma obra de arte, durante o filme podem surgir os mais diversos pensamentos. Da resistência do Louvre aos rumos da humanidade, a obra de Sokurov quer que sua plateia ganhe destinos.

Em “Arca Russa” (2002), Sokurov focou no museu russo Hermitage, em São Petersburgo, em um incrível e único plano-sequência que entrou para a história. Agora, volta ao tema dos corredores que guardam parte da história da humanidade em valiosas coleções de quadros, esculturas e afins pelo Louvre. Mas não se engane, são filmes bem diferentes.
Aqui, Sokurov experimenta ainda mais, em um estilo tido como pós-moderno, para forçar o debate sobre o poder político da arte. Tolstoi e Tchekhov, em fotos que nos olham, abrem a narrativa, que inclui na história um certo capitão Dirk, que está em alto-mar, no meio de uma tormenta, em uma embarcação carregada de obras de arte, com o qual o diretor, criador e narrador do filme conversa via internet. Não dá pra saber se a conversa é real ou não. A imagem remete ao quadro “A Balsa da Medusa”, uma das mais célebres do Louvre, de Theodore Gericault (1791-1824), e a sequência é carregada de um certo suspense.

Enquanto isso, dois fantasmas emblemáticos vagam pelo Louvre. Isso mesmo. Marianne (Johanna Korthals Altes), símbolo da França, passeia pelos corredores pregando a mensagem de “liberdade, igualdade e fraternidade” e o não menos simbólico Napoleão (Vincent Nemeth), um dos maiores ladrões de obras de arte, que dispensa apresentações. Em um museu vazio, a dupla que representa a República e o Império contempla a misteriosa Mona Lisa, a maior atração de todas as atrações, sem muito a dizer. Pensem vocês.
Mas é outro encontro que movimenta a trama. O conde alemão Franz Wolff-Metternich (Benjamin Utzerath), que passou a ser codiretor do Louvre por nomeação de Hitler, e o diretor do museu, o francês Jacques Jaujard (Louis-Do De Lencquesaing), obrigado a aceitar a chegada do “inimigo”, tentam se entender a respeito do acervo do Louvre. Por estratégia de guerra, muitas das obras permaneceram intocadas e longe dos olhares do alto-escalão alemão em jogos de esconde-esconde para os quais o nazista fazia vista grossa. Sokurov faz uma certa ficção dessa “parceria” e em dado momento salvar o acervo passa a significar salvar a história do mundo.

A dramatização desse encontro, sob o olhar estilizado do diretor russo, tem ares metafísicos no desfecho completamente inusitado dessa história. Como diz Jaujard no final: “Isso tudo é um delírio”.
Trailer
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