Jean-Michel Frodon, um dos mais respeitados críticos de cinema da França, abriu nesta sexta-feira, no Rio de Janeiro, a programação do Festival Varilux de Cinema Francês          Foto: Divulgação
Jean-Michel Frodon, um dos mais respeitados críticos de cinema da França, abriu nesta sexta-feira, no Rio de Janeiro, a programação do Festival Varilux de Cinema Francês Foto: Divulgação

Crítico de cinema? Mas isso é uma profissão?

DaniPrandi_0188c_500O francês Jean-Michel Frodon conta que, um dia, um taxista lhe perguntou sua profissão. “Sou crítico de cinema”, respondeu. “Mas isso é uma profissão?”, questionou o taxista.

Frodon, um dos mais respeitados críticos de cinema da França, abriu nesta sexta-feira (10 de junho), no Rio de Janeiro, a programação do Festival Varilux de Cinema Francês, que terá programação em 50 cidades, com uma master class sobre o seu ofício. Tive o prazer de estar na plateia, junto com alguns dos mais conhecidos críticos do Brasil e entusiastas da sétima arte, e acompanhamos atentamente sua “aula de mestre”. Foi lição em cima de lição. O francês, que foi diretor de redação da revista Cahiers du Cinéma de 2003 a 2009 e é autor de diversos livros sobre cinema, foi inspirador. Lembrou que, a cada semana, quando novos filmes são lançados, são as pessoas que escrevem sobre eles as responsáveis por dar “respeitabilidade artística” àquela obra. “O filme, porém, vai além do fato de o crítico ter amado, odiado ou falado besteira sobre um filme. Porque os críticos falam besteiras também…”

Frodon destaca que a crítica deve se parecer como “um convite” para que se explore algo novo. “Escrevemos para quem vai ver um filme ou para quem já viu? Isso não tem a menor importância.” O que tem importância, para Frodon, é não deixar que um filme se transforme em um produto. Ou seja, dar estrelinha, coração ou carinha de bravo para definir se um filme é ou não é bom.

Foto: Daniela Prandi
Formada pelos mais conhecidos críticos do Brasil, a plateia ouviu uma “aula de mestre” de Jean-Michel Frodon, que foi diretor de redação da revista Cahiers du Cinéma de 2003 a 2009     Foto: Daniela Prandi

Na plateia, nesse momento, foi interessante observar alguns críticos do jornal O Globo, famoso por sua cotação “O Bonequinho…” Para quem não está familiarizado, as cotações variam de “O Bonequinho aplaudiu de pé” a “O Bonequinho saiu da sala”, com algumas variantes no meio do caminho. “Na prática, pode ser útil para ajudar o leitor a escolher por este ou aquele filme, mas essa não é a razão de ser da crítica.”

Transformar um filme em produto “suprime a dimensão mais importante do filme, que é a possibilidade dele ser tratado com uma obra de arte”, destacou. “Um filme pode ser lazer, diversão, retratar um fenômeno social, dar medo, ser um objeto de pesquisa, nos levar a outros planetas… Muitos são bonitos, agradáveis, mas são objetos acabados, que não cumprem a promessa de se tornarem uma obra de arte, enquanto outros sim, se diferenciam como obra de arte.”

Para Frodon, muitos filmes acabam sendo como “papel de parede, somente decorativos”, e o papel do crítico, na sua literatura, é explicar ao leitor porque aquele filme descumpre a promessa de ser uma obra de arte. “Cinema é muito mais que a história, os atores de quem gostamos, os efeitos especiais…”

A França, que tem 350 festivais de cinema por ano (!), é o berço da crítica desde que Diderot resolveu escrever sobre pintura na segunda metade do século 18. No cinema, o Festival de Cannes é o auge de qualquer crítico e Frodon já participou de muitos. “Quando começo uma crítica não sei o que vou escrever”, admite o crítico, que mostra o caderninho no qual faz anotações durante o filme, mas que diz não levar em conta. “Fazer anotações significa que não sou um espectador normal, anoto, mas não releio, afinal, é difícil reler o que a gente escreve no escuro”, diverte-se.

Frodon diz que gosta quando lê uma crítica que defende um filme do qual não gostou. “É como entrar em uma outra emoção. Porque uma crítica é algo pessoal, nós nos expomos, nos exibimos ali naqueles palavras que tentam transmitir ideias que possam ser compartilhadas. Ser crítico é tentar ser um escritor.”

Foto: Daniela Prandi
Frodon mostra o caderninho no qual faz anotações durante o filme e revela: “Quando começo uma crítica não sei o que vou escrever”        Foto: Daniela Prandi

Para Frodon, a chegada da internet, que deu voz a uma legião de críticos sem espaço nas grandes mídias, “abre novas possibilidades”. “Um filme existe para que se fale dele, o cinema leva as pessoas a falarem, antes falávamos entre nós, agora podemos falar com todo o mundo”, resume. “É direito absoluto de todos poder falar dos filmes.”

“Às vezes, inclusive, me deparo com críticas na internet que são muito melhores, muito mais elaboradas, do que as que estão nas páginas dos jornais e das revistas”, completa. O francês cita um conterrâneo, André Bazin, um dos fundadores da revista Cahiers du Cinéma, que dizia que “todos os filmes nascem livres e iguais em direito”, para um choque de realidade. “O que o Bazin dizia é uma utopia. Sabemos que não é verdade, há os filmes ricos e poderosos e os filmes pobres e desconhecidos.”

Frodon lamenta que, em um mundo com tantos e tantos filmes para ver, o poder do marketing seja tão dominante. “Quanto mais filmes podemos ver, mais vemos os mesmos filmes.”

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Breve biografia de Jean-Michel Frodon: Trabalhou como professor de 1971 a 1981, quando se tornou crítico de cinema da revista Le Point, fundada por seu pai, o também crítico Pierre Billard. Em 1990 foi trabalhar no jornal Le Monde e em 1995 assumiu a coluna de cinema do jornal. De 2003 a 2009 foi diretor de redação da revista Cahiers du Cinèma. Desde setembro de 2009 mantém o blog Projection Publique.

Cahiers Du Cinéma: a revista foi criada em abril de 1951 por André Bazin, Jacques Doniol-Valcroze, Joseph-Marie Lo Duca e Léonide Keigel, que deram vida à Nouvelle Vague. Entre seus críticos estavam Jean-Luc Godard, François Truffaut, Eric Rohmer, Jacques Rivette e Claude Chabrol, que escreveram ali antes de se tornarem cineastas.

 

Sobre Daniela Prandi

Daniela Prandi, paulista, jornalista, fanática por cinema, vai do pop ao cult mas não passa nem perto de filmes de terror. Louca por livros, gibis, arte, poesia e tudo o mais que mexa com as palavras em movimento, vive cada sessão de cinema como se fosse a última.

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