Artigos Recentes

Crédito: Spiltshire

O direito de nascer

(Favor não confundir com a antológica novela)   Prometech irrompeu na reunião, atrasado como sempre, excitado como sempre, aqueles alguns zumbidos estridentes brotando de seu âmago complicado. Auto imprimindo uma expressão severa na cara, embora sem ofuscar o indelével desenho feminino, Salossafo emputeceu-se. Como sempre. — Porra de plasma, Prometech, — rugiu, num tom metálico capaz de obliterar os mimimis máquino-intestinais do recém-chegado — você nunca é capaz de chegar no horário, e sem esse frenesi de borboleta sintética alucinada? Sei que nem precisaria perguntar, mas lá vai, de novo: por onde o senhor andou? Não obstante não precisasse exatamente, o retardatário esbaforido confessou, sem demonstrar arrependimento: — Desculpe, Primeira Conselheira… eu… eu estava na… maternidade. Não resisti e fui conferir a produção dos novos rebentos. São lindos, e… Salossafo explodiu em fúria (como sempre): — Merda de silício podre, …

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Cor de rosa dá permissão às meninas

Quando eu tinha 10 anos fui passar as férias escolares na casa de meus tios. Naquele ano, época de natal, a prefeitura iria presentear todas as crianças com brinquedos, e as opções eram bolas para os meninos e ursos de pelúcia para as meninas. Aguentei firme a ansiedade e, após “anos” de espera, chegou o grande dia do papai Noel. Acordei cedo e, antes mesmo de o sol começar a esquentar, a fila em frente à prefeitura já estava enorme. Ganhar um brinquedo valia a espera, a fome e o calor. Quando chegou minha vez, os brinquedos todos haviam acabado. Os organizadores então fizeram uma lista de espera para aqueles que ficaram de fora. Nome anotado, bastaria esperar outro “século” para receber o ursinho. Não mencionei, mas meu desejo era ganhar um urso de pelúcia ao invés da bola. “Você escolheu um …

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Ah, se eu soubesse…

Quem não viu não acredita, mas uma horta de cogumelos irrompeu do carpete de uma quitinete onde morei. Atrás de uma estante, numa faixa que costumava acumular resíduos dos únicos líquidos que corriam naquela morada desvairada: cerveja, cerveja, cerveja… e só um tiquinho de detergente, vez ou outra. Eram apenas esses os adubos possíveis. E os bichinhos eram uns bitelos luzidios, a parte interna do “chapéu” tingida de um púrpura infernal. Quando a notícia se espalhou, teve o mesmo efeito dos relatos de aparições de rostos de santas nas vidraças dos lares piedosos. A quiti virou meca de peregrinação da malucaiada. A assembleia insana permanente berrava: “Vamos fazer chá!” “Não, mistura com vinho!” “Tem que ser comido ao natural!” Foi quando a moça que puxava meu freio de mão naqueles tempos chamou a galera à razão: “Tão doidos? Vai saber …

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Falação

Atendi ao telefone. Quem falava era uma moça muito educada. Feita a apresentação, de repente ela desatou a falar numa velocidade estonteante. Pensei: o que houve com aquela moça tão doce e suave que começara a falar agora como locutora de corrida de cavalo? Enquanto a falação seguia, lembrei-me que havia colocado a água do café para esquentar. Tentei explicar a situação. Mas ela não me escutou e foi adiante emendando as palavras sem pausa. E eu não sabia ainda nem qual era o assunto. Fui verificar a temperatura da água e deixei que ela conversasse um pouco com o telefone. Voltei. Ela continuava a falar como se nada tivesse acontecido. Tossi. Ela continuou o discurso. Tossi de novo – uma, duas, três, quatro vezes. E ela não dava sinal de que alguma coisa estaria ocorrendo. Comecei a achar esquisito. …

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Crédito Jay Mantri (Shutterstock)

Criador & criatura

Sabe aquela história “eu mesmo invento, depois fico com medo”? Bem, nem tudo é invenção, mas que fiquei com medo, fiquei. E o episódio me ensinou que mentir, mesmo que um pouquinho, na nossa profissão, não só é pouco ético, como consegue até ser perigoso. O povo da Vila Costa e Silva ligava sem parar na redação do saudoso Diário do Povo, denunciando um cara que aprontava todas, de roubo de carros a cantadas em mulheres alheias. Detalhe: montado num garboso cavalo branco. Partimos pro bairro. Colhemos pilhas de relatos escabrosos da comunidade. Só que nada do malfeitor. Na delegacia, monte de BOs… de “autoria desconhecida”. De volta à redação, premido pelo dead line, não vi outra alternativa a não ser tascar: “Cavaleiro da Costa e Silva aterroriza o bairro”. Ora, não era de tudo ficcional: o Cavaleiro da Costa …

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